TRF1 - 1000166-83.2019.4.01.3201
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. 08 - Des. Fed. Maria do Carmo Cardoso
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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04/11/2022 09:11
Remetidos os Autos (por julgamento definitivo do recurso) para Juízo de origem
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04/11/2022 09:11
Juntada de Informação
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04/11/2022 09:11
Expedição de Certidão de Trânsito em Julgado.
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19/10/2022 00:06
Decorrido prazo de SAUL NUNES BEMERGUY em 18/10/2022 23:59.
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12/10/2022 00:02
Decorrido prazo de RAIMUNDO CARVALHO CALDAS em 11/10/2022 23:59.
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20/09/2022 15:30
Juntada de Certidão
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20/09/2022 00:32
Publicado Acórdão em 20/09/2022.
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20/09/2022 00:32
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 20/09/2022
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19/09/2022 00:00
Intimação
JUSTIÇA FEDERAL Tribunal Regional Federal da 1ª Região PROCESSO: 1000166-83.2019.4.01.3201 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000166-83.2019.4.01.3201 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:SAUL NUNES BEMERGUY e outros REPRESENTANTE(S) POLO PASSIVO: BRENDA DE JESUS MONTENEGRO - AM12868-A, CLOTILDE MIRANDA MONTEIRO DE CASTRO - AM8888-A e FABIO BACRY ANDRADE - AM8122-A RELATOR(A):MARIA DO CARMO CARDOSO PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1000166-83.2019.4.01.3201 RELATÓRIO A EXMA.
SRA.
DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença prolatada pelo Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Tabatinga/AM, que, nos autos de ação civil pública, por entender inexistente ato de improbidade administrativa — consistente em deixar de prestar contas quando obrigado a fazê-lo —, rejeitou a ação ajuizada contra SAUL NUNES BEMERGUY e RAIMUNDO CARVALHO CALDAS, com base nos art. 487, I, do CPC e art. 17, § 8º, da Lei 8.429/1992 (antes das alterações promovidas pela Lei 14.230/2021).
Houve remessa.
O apelante afirma estar presente o dolo na conduta, pois conforme descrito no relatório da Controladoria Geral da União, tanto o atual prefeito do município, Saul Nunes Bemerguy, quanto o anterior, Raimundo Carvalho Caldas, tinham ciência da ausência de prestação de contas dos recursos destinados ao custeio de medicamentos e insumos de uso na atenção básica referente ao exercício de 2016 em Tabatinga (AM), no valor de R$294.891,35 (duzentos e noventa e quatro mil, oitocentos e noventa e um reais e trinta e cinco centavos).
Diz que foi solicitado a ambos os requeridos que apresentassem informações sobre a prestação de contas, porém quedaram-se inertes quanto ao dever que lhes decorria do cargo.
Ativeram-se apenas em apresentar vagas escusas e não tomaram nenhuma medida efetiva para solucionarem os empecilhos.
Dessa forma, a seu ver, resta clara a conduta dolosa dos gestores, que tinham o dever de informar os gastos realizados com os recursos federais, plena ciência da ausência da prestação de contas e de sua necessidade (conforme demonstrado pelas manifestações apresentadas à CGU) e, ainda assim, deixaram de fazê-la.
Alega, ainda, que o relatório da CGU mostra-se documento apto a comprovar a ausência de prestação de contas pelo município de Tabatinga (AM) referente às verbas disponibilizadas ao município por meio da ordem de serviço 201700955.
Aduz, por fim, que o ônus de prestar contas é indelegável a terceiros, servidores da prefeitura (Doc. 63274746).
Contrarrazões de Saul Nunes Bemerguy (Doc. 63274749).
Embora devidamente intimado, Raimundo Carvalho Caldas não apresentou contrarrazões (Doc. 63274750).
A Procuradoria Regional da República da 1ª Região opina, em seu parecer, pelo provimento do recurso de apelação (Doc. 64145044). É o relatório.
Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora VOTO - VENCEDOR PODER JUDICIÁRIO Processo Judicial Eletrônico Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO APELAÇÃO CÍVEL (198) n. 1000166-83.2019.4.01.3201 VOTO A EXMA.
SRA.
DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO (RELATORA): Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso, o qual passo a analisar (art. 1.011, II, do CPC).
Inicialmente, registre-se que a Lei 8.429/1992 sofreu severas alterações pela Lei 14.230/2021, que passou a viger na data da sua publicação, em 26/10/2021.
Acaso aplicáveis tais mudanças à controvérsia dos autos, a nova legislação será oportunamente examinada tanto em relação às questões de natureza material quanto de ordem processual.
REMESSA OFICIAL A redação original da Lei 8.429/1992 não disciplinava a questão da remessa necessária, e, por aplicação subsidiária, admitia-se o reexame necessário na sentença de improcedência nas ações de improbidade, nos termos do art. 496 do CPC.
Diante disso, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça havia afetado tal questão a julgamento pelo rito dos recursos repetitivos (Tema 1042), mas, com a edição da Lei 14.230/2021, de 26/10/2021, decidiu pelo retorno dos autos ao relator, para proporcionar ao relator originário o exame da potencial incidência da alteração apresentada pela Lei n. 14.230/2021 no âmbito da Lei de Improbidade Administrativa julgada no presente recurso especial repetitivo.
Com relação à questão, meu entendimento era de que os processos de remessa necessária deveriam ter seu julgamento suspenso neste Tribunal até que o Tema 1042 fosse julgado pela Primeira Seção do STJ.
Entretanto, nos casos em que houvesse remessa necessária concomitante a recurso de apelação, este deveria ser julgado para que não houvesse prejuízo ao recorrente, e o reexame necessário ficaria prejudicado.
Com as alterações trazidas pela Lei 14.230/2021, a Lei de Improbidade Administrativa passou a disciplinar a questão nestes termos (arts. 17, § 19, IV, e 17-C, § 3º): Art. 17.
A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. (...) § 19.
Não se aplicam na ação de improbidade administrativa: IV - o reexame obrigatório da sentença de improcedência ou de extinção sem resolução de mérito (...) Art. 17-C.
A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil): (...) § 3º Não haverá remessa necessária nas sentenças de que trata esta Lei.
Dessa forma, agora é incabível o duplo grau obrigatório de jurisdição, por expressa vedação legal.
Nesse sentido, precedentes desta Terceira Turma: PROCESSUAL CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
SENTENÇA IMPROCEDENTE.
REMESSA OFICIAL.
NÃO CONHECIDA.
INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 17, § 19, IV, e 17-C, § 3º, DA LEI 8.429/1992.
INCLUÍDOS PELA LEI 14.230/2021. 1.
A redação original da Lei 8.429/1992 não disciplinava a questão do remessa necessária, e, por aplicação subsidiária, admitia-se o reexame necessário na sentença de improcedência nas ações de improbidade, nos termos do art. 496 do CPC. 2.
Com as alterações da Lei de Improbidade Administrativa, cujas inovações se aplicam aos processos pendentes, é incabível o duplo grau obrigatório, nos termos dos arts. 17, § 19, IV, e 17-C, § 3º, da Lei 8.429/1992 (incluídos pela Lei 14.230/2021). 3.
Remessa oficial não conhecida. (REO 1000218-78.2017.4.01.3806, julgado da minha relatoria, PJe de 28/6/2022).
PROCESSUAL CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
AÇÃO CIVIL PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
RECEBIMENTO DA INICIAL.
IMPUTAÇÃO GENÉRICA DOS ATOS DE IMPROBIDADE.
AUSÊNCIA DE ELEMENTOS INDICATIVOS DE DOLO.
INICIAL REJEITADA.
SENTENÇA PROLATADA EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE E DO STJ.
SENTENÇA MANTIDA.
REMESSA NECESSÁRIA NÃO CONHECIDA. 1.
A Lei 14.230/2021 trouxe algumas inovações à Lei 8.429/92, as quais se aplicam aos processos pendentes, conforme entendimento que vem se consolidando na jurisprudência.
Tais inovações trazidas por esse novo diploma legal em virtude de sua natureza jurídica, de cunho sancionatório (tantas as normas de natureza material e processual), devem ser observadas retroativamente aos casos em curso, por ser mais benéfica que a Lei nº 8.429/92, à luz do artigo 5º, XL da Constituição Federal. 2.
A Lei nº. 8.429/92 sofreu alterações com a edição da Lei nº. 14.230/21, entre as quais, observa-se que o legislador afastou a aplicação do instituto da remessa necessária nas ações de improbidade administrativa, conforme prevê o art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº. 8.429/92 vigente. 3.
Afigura-se da legislação em vigor que em sede de ação de improbidade administrativa não haverá remessa necessária nas sentenças de improcedência, nos termos do art. 17, § 19º, inciso IV, da Lei nº. 8.429/92. (...) 9.
Sentença mantida. 10.
Remessa necessária não conhecida. 11.
Apelação não provida. (ApRemNec 0012548-52.2016.4.01.4100, relator convocado Juiz Federal Marllon Sousa, PJe de 12/4/2022).
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial.
MÉRITO A sentença julgou extinto o processo, ainda no limiar da ação, conforme autorizava o § 8º do art. 17 da Lei 8.429/1992, que dispunha: Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita — sem grifo no original.
Embora tal dispositivo tenha nesses termos sido revogado pela Lei 14.230/2021, houve, com a novel legislação, apenas mera alteração topológica no texto, que continuou a prever a possibilidade de extinção liminar do feito, com a rejeição da inicial, quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado (§ 6º-B do art. 17).
Passou a permitir, ainda, no § 11, que, em qualquer momento do processo, verificada a inexistência do ato de improbidade, o juiz julgará a demanda improcedente. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP).
Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.
No caso, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra o prefeito do Município Tabatinga/AM, na data do ajuizamento, SAUL NUNES BEMERGUY, e o ex-prefeito, RAIMUNDO CARVALHO CALDAS, para imputar-lhes a prática de ato de improbidade consistente na não prestação de contas (art. 11, VI, da Lei 8.429/1992) de verbas federais repassadas ao município para o Programa Farmácia Básica, no exercício 2016, no valor de R$ 294.891,35.
A sentença julgou improcedente o pedido, com o seguinte fundamento (Doc. 63274742): (...) o Ministério Público Federal imputa aos réus a prática de suposto ato de improbidade atentatório contra os princípios da Administração Pública, consistente em deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo (art. 11, VI, LIA).
Reportando-me às considerações doutrinárias e jurisprudenciais que articulei ao longo dos itens “II.B” e “II.C”, não há elementos indiciários que denotem desonestidade, deslealdade ou má-fé no intuito de deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.
Pontuo, relativamente ao art. 11, VI, da Lei n.º 8.429/1992, a orientação encampada por ambas as Turmas componentes da 2ª Seção do egrégio Tribunal Regional Federal desta 1ª Região, segundo a qual “[D]escabe falar em prática de ato de improbidade administrativa, previsto no art. 11, VI, da Lei de Improbidade Administrativa, por não ter ficado demonstrada a vontade de ocultar o repasse de verbas federais, bem como que tenha ocorrido prejuízo ao erário, locupletamento ou benefícios indevidos a terceiros.
O tipo descrito no art. 11, VI, da Lei 8.429/92 diz respeito, expressamente, à falta de prestação de contas, e não à sua extemporaneidade, ou à sua rejeição por defeitos documentais, ou à aprovação com ressalvas, não se admitindo uma interpretação extensiva para impingir ao agente público sanção decorrente de conduta que o legislador não previu como ímproba" (TRF/1ª Região, AC 0001370-39.2007.4.01.3901/PA, 3ª Turma, Rel.
Des.
Fed.
Ney Bello, e-DJF1 de 09/06/2017; AC 2009.33.11.000931-7/BA; 4ª Turma, Rel.
Des.
Federal Olindo Menezes, e-DJF1 de 20/01/2015 - grifei).
Consoante já teve oportunidade de registrar o eminente Des.
Fed.
OLINDO MENEZES, “[É] indispensável, na interpretação do art. 11 da Lei 8.429/92, que os núcleos desonestidade, parcialidade, ilegalidade ou deslealdade às instituições sejam vetores ou elementos condutores da improbidade.
A ofensa a esses princípios da administração pública somente adquire o qualificativo da improbidade, para os efeitos do art. 11, quando se evidenciar como um meio de realização de objetivos ímprobos.
A improbidade há que vincular-se sempre a valores e questões materiais” (TRF/1ª Região, AC 0006344-90.2009.4.01.3306/BA, 4ª Turma, Rel.
Des.
Fed.
Olindo Menezes, e-DJF1 de 15/12/2016 – grifei).
Isso decorre, ainda na dicção do egrégio Tribunal Regional Federal desta 1ª Região, do fato de que “as normas que descrevem infrações administrativas e cominam penalidades constituem matéria de legalidade estrita, não podendo sofrer interpretação extensiva" (AgInt no REsp 1643337/MG, 1ª Turma, Rel.
Min.
Sérgio Kukina, julgado em 19/04/2018 - grifei).
Ora, consoante declinei em tópico próprio da fundamentação desta sentença, a censura técnica da Controladoria Geral da União - CGU em relação às contas apresentadas não tem o condão de converter, para fins de improbidade administrativa, irregularidade em omissão (TRF/1ª Região, AC 0032221-93.2009.4.01.3900/PA, Rel.
Juiz Fed.
Conv.
Leão Aparecido Alves, e-DJF1 de 14/09/2017).
Não encontro, por fim, na confusa petição inicial apresentada a indicação clara e individualizada --- como exige o rigor da ação de improbidade administrativa --- da prática de ato de omissão na prestação de contas, não concebo qual seria o “fim proibido” referido pela autora, inviabilizando o acolhimento do pedido.
Ademais, a própria inicial é ambígua ao citar o relatório da Controladoria Geral da União – CGU, há dúvidas se houve ou não prestação de contas, não há referência sequer ao prazo exato, de acordo com o termo de contrato, para a prestação de contas.
Em um momento, a documentação colacionada leva a entender que houve extemporaneidade na prestação de contas e, noutro, que não houve prestação de contas, e ao final resume: “Pelo exposto, verificou-se a inexistência de prestação de contas aptas a justificar os recursos públicos aplicados na execução do programa de assistência farmacêutica no município”.
O que há no relatório do órgão, colacionado pelo Ministério Público Federal na inicial, são ilações do tipo “Pelo teor da resposta, percebe-se que não houve a prestação de contas de forma a possibilitar a avaliação da execução do programa” (ID 57694123, fl. 09 - grifei).
Por fim, quanto a menção na inicial do extravio de documentos encerra ainda maior perplexidade, máxime quando são notórias, nos municípios interioranos desta região do Alto Solimões, disputas partidárias entre gestões que se sucedem e que, por ocasião da transição, tentam imputar umas às outras, não raro em caráter cíclico, ilícitos os mais variados.
Esse o quadro, consideradas as particularidades a que me referi ao longo desta sentença, parece-me impositiva, à luz da petição inicial apresentada ao Juízo, a “improcedência da ação”, impondo-se, a teor do art. 17, § 8º, da Lei n.º 8.429/1992, o liminar juízo de improcedência do pedido (art. 487, I, CPC c/c art. 17, § 8º, LIA). — sem grifo no original.
O art. 11 e seu inciso VI da Lei 8.429/1992 dispunham: Art. 11.
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; Os dispositivos foram alterados pela Lei 14.230/2021, e passaram a vigorar com o seguinte texto: Art. 11.
Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo, desde que disponha das condições para isso, com vistas a ocultar irregularidades; — sem grifo no original.
A lei, portanto, passou a exigir, para a configuração da improbidade administrativa, no caso da não prestação de contas, que, além de o agente dispor de condições para prestar contas, que não o faça com vistas a ocultar irregularidades.
A norma — de aplicação imediata, por ser conteúdo de direito material sancionador — exige agora o elemento anímico, ou seja, a vontade livre e consciente dirigida ao fim de deixar de prestar contas com vistas a ocultar irregularidades, o que consiste no dolo.
A culpa, em qualquer das suas modalidades, e mesmo a culpa grave, deixou de ter relevância para o direito administrativo sancionador quanto aos atos de improbidade administrativa, porque, nos termos do art. 1º, § 1º, consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.
No ponto, o apelante alega conduta omissiva, uma vez que os réus quedaram-se inertes nas solicitações de prestar contas, dever que lhes decorria do cargo.
Aduz que se ativeram apenas em apresentar vagas escusas e não tomaram nenhuma medida efetiva para solucionarem os empecilhos, ou que nas defesas apresentadas na presente demanda há acusações recíprocas e ninguém assume qualquer responsabilidade.
As alegações, por si, indicam a imputação da prática de ato omissivo, o que afasta o ato ímprobo, pela ausência de demonstração de dolo, ou, precisamente da vontade de não prestar informações para ocultar irregularidades.
Note-se que, nos termos da inicial, os autos tratam de prestação de contas de verba repassada no ano de 2016, na fase de transição entre duas gestões municipais — atual prefeito (gestão 2017-2020) e ex-prefeito (gestão 2013-2016) de TABATINGA/AM.
O gestor atual, Saul Nunes Bemerguy, afirmou que embora tivesse solicitado ao anterior a criação de comissão para transição de governo, tais requerimentos jamais foram atendidos, fato este que prejudicou sobremaneira o ato de recebimento do cargo de Prefeito Municipal de Tabatinga do atual gestor.
O ex-gestor, por sua vez, alegou que toda documentação necessária para a efetiva prestação de contas dos referidos recursos estava com o contador do município, pois as referidas contas eram devidamente prestadas juntamente com as contas anuais e que não há o que se falar em ausência de transição, uma vez que a mesma foi efetivamente realizada.
Há, pois, conforme assentado pela sentença, claro jogo de empurra-empurra entre dois gestores, aparentemente de polos políticos divergentes, o que tem ocasionado a não prestação de contas.
E embora tais circunstâncias não sejam salutares para a Administração Pública, tampouco para o órgão federal que efetua e fiscaliza o repasse, não há alegação de desonestidade ou má-fé na gerência da verba ou de ausência de prestação de contas com o fim de ocultar irregularidades.
E, se assim não o é, descabe falar em improbidade administrativa nos atuais termos do art. 11, VI, da Lei 8.429/1992.
Some-se a isso, a falta de clareza da inicial, que não permite saber sequer se houve, ou não, prestação de contas, porque também não há indicação clara de prazo para esse fim, o que gera dúvida ainda sobre eventual extemporaneidade ou ausência na prestação de contas.
Seja como for, não de desincumbiu o autor do dever processual de demonstrar que os réus agiram com dolo para não prestar contas e ocultar irregularidades, sequer aventadas.
A mera alegação da possibilidade de, por culpa, causar dano, de maneira abstrata e genérica, sem se questionar a intenção do agente ao assim proceder, não é suficiente para caracterização do ato ímprobo, tanto mais que este na sua gênese é ato lastreado pela desonestidade, pela má-fé.
Também a alegação de que o mero atraso desarrazoado na prestação de contas indica dolo, e, diga-se, apenas genérico, não tem mais amparo na lei.
Os atos tipificados no art. 11 da LIA com a nova redação dada pela Lei 14.230/2021 para serem tidos como ímprobos devem preencher, portanto, os seguintes requisitos: a) conduta ilícita; b) comportamento ajustado nos incisos do art. 11; c) elemento volitivo consubstanciado no dolo de cometer a ilicitude e causar prejuízo ao erário; e d) ofensa aos princípios da Administração Pública.
Ausentes, a toda evidência, tais requisitos, correta a sentença ao ceifar o feito, ainda em seu limiar, com a rejeição da ação, nos termos então autorizados pela Lei § 8º do art. 17 da Lei 8.429/1992.
Indiscutíveis os danos que a demora na solução da lide poderá causar ao gestor público, seja ele detentor, ou não, de cargo político.
Registre-se, por fim e por oportuno, que, conforme bem assentou Ministro Alexandre de Moraes, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 843.989/PR, com repercussão geral (Tema 1199), na sessão de 4/8/2022 do Plenário do Supremo Tribunal Federal (julgamento ainda não finalizado), a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa não afasta a possibilidade de responsabilização do agente por atos ilícitos administrativos e suas respectivas sanções, bem como pelo eventual ressarcimento ao erário.
Isto é, eventual dano ou prejuízo pode ter sua reparação buscada por outras vias, que não a ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
Ante o exposto, não conheço da remessa oficial e nego provimento à apelação. É como voto.
Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora DEMAIS VOTOS PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região Gab. 08 - DESEMBARGADORA FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO Processo Judicial Eletrônico PROCESSO: 1000166-83.2019.4.01.3201 PROCESSO REFERÊNCIA: 1000166-83.2019.4.01.3201 CLASSE: APELAÇÃO CÍVEL (198) POLO ATIVO: Ministério Público Federal (Procuradoria) POLO PASSIVO:SAUL NUNES BEMERGUY e outros REPRESENTANTES POLO PASSIVO: BRENDA DE JESUS MONTENEGRO - AM12868-A, CLOTILDE MIRANDA MONTEIRO DE CASTRO - AM8888-A e FABIO BACRY ANDRADE - AM8122-A EMENTA PROCESSUAL.
ADMINISTRATIVO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
LEI 8.429/1992 ALTERADA PELA LEI 14.230/2021.
NORMA PROCESSUAL.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM.
NORMA MATERIAL.
SUPERVENIÊNCIA DE LEI NOVA.
DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR.
AFASTAMENTO DAS CONDUTAS CULPOSAS.
PRESTAÇÃO DE CONTAS TARDIA.
AUSÊNCIA DE DOLO E MÁ-FÉ.
INEXISTÊNCIA DE ATO ÍMPROBO.
SENTENÇA MANTIDA.
REMESSA OFICIAL NÃO CONHECIDA. 1.
A Lei 8.429/1992, alterada pela Lei 14.230/2021, passou a vigorar na data da sua publicação, em 26/10/2021.
As controvérsias em torno da aplicação imediata das novas disposições legais devem ser analisadas em relação às questões de natureza processual e material. 2. Às questões de ordem processual são aplicáveis as leis em vigor no momento em que prolatado o decisum na instância a quo, em obediência ao princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC e, por analogia, art. 2º do CPP).
Já às questões de natureza material, a nova lei tem aplicação imediata aos feitos em andamento, nos termos do art. 1º, § 4º, que dispõe: aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. 3.
Com as alterações da Lei de Improbidade Administrativa, cujas inovações se aplicam aos processos pendentes, tornou-se incabível o duplo grau obrigatório, nos termos dos arts. 17, § 19, IV, e 17-C, § 3º, da Lei 8.429/1992 (incluídos pela Lei 14.230/2021). 4.
Para configuração dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 11 da LIA com a nova redação dada pela Lei 14.230/2021, devem ser preenchidos os seguintes requisitos: a) conduta ilícita; b) comportamento ajustado aos incisos do art. 11; c) elemento volitivo consubstanciado no dolo de cometer a ilicitude e causar prejuízo ao erário; e d) ofensa aos princípios da Administração Pública. 5.
Descabe falar em improbidade administrativa, com base no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992, sem a demonstração de dolo.
Com a nova redação dada ao dispositivo pela Lei 14.230/2021, para a configuração do ato ímprobo, no caso da não prestação de contas, além da demonstração de ter o agente condições de prestar contas, é indispensável provar que não o fez com vistas a ocultar irregularidades. 6. É indispensável a demonstração do elemento anímico, ou seja, a vontade livre e consciente dirigida ao fim de deixar de prestar contas, e ocultar irregularidades.
Com a alteração legislativa, a culpa, em qualquer das suas modalidades, deixou de ter relevância para configuração da figura ímproba prevista no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992. 7.
Ausentes tais requisitos, correta a sentença ao ceifar o feito, ainda no seu limiar, com a rejeição da ação, nos termos então autorizados pelo § 8º do art. 17 da Lei 8.429/1992.
Indiscutíveis os danos que a demora na solução da lide poderão causar ao gestor público. 8.
Apelação a que se nega provimento.
Remessa oficial de que não se conhece.
ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, à unanimidade, não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto da relatora.
Brasília/DF, 13 de setembro de 2022.
Desembargadora Federal Maria do Carmo Cardoso Relatora -
16/09/2022 14:00
Juntada de petição intercorrente
-
16/09/2022 10:23
Expedida/certificada a intimação eletrônica
-
16/09/2022 10:23
Juntada de Certidão
-
16/09/2022 10:23
Expedição de Outros documentos.
-
16/09/2022 10:23
Expedição de Outros documentos.
-
16/09/2022 10:23
Expedição de Outros documentos.
-
15/09/2022 17:08
Não conhecido o recurso de Ministério Público Federal (Procuradoria) (APELANTE)
-
14/09/2022 17:32
Deliberado em Sessão - Julgado - Mérito
-
13/09/2022 20:07
Juntada de Certidão de julgamento
-
02/09/2022 00:24
Decorrido prazo de RAIMUNDO CARVALHO CALDAS em 01/09/2022 23:59.
-
25/08/2022 14:27
Juntada de Certidão
-
25/08/2022 00:09
Publicado Intimação de pauta em 25/08/2022.
-
25/08/2022 00:09
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 25/08/2022
-
24/08/2022 00:00
Intimação
Justiça Federal Tribunal Regional Federal da 1ª Região BRASíLIA, 23 de agosto de 2022.
Intimação da Pauta de Julgamentos Destinatário: APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (PROCURADORIA) , .
APELADO: SAUL NUNES BEMERGUY, RAIMUNDO CARVALHO CALDAS , Advogados do(a) APELADO: BRENDA DE JESUS MONTENEGRO - AM12868-A, CLOTILDE MIRANDA MONTEIRO DE CASTRO - AM8888-A Advogado do(a) APELADO: FABIO BACRY ANDRADE - AM8122-A .
O processo nº 1000166-83.2019.4.01.3201 APELAÇÃO CÍVEL (198), Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MARIA DO CARMO CARDOSO, foi incluído na Sessão abaixo indicada, podendo, entretanto, nesta ou nas subsequentes, serem julgados os processos adiados ou remanescentes Sessão de Julgamento Data: 13-09-2022 Horário: 14:00 Local: Sala de sessões n. 3 Observação: -
23/08/2022 16:38
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
-
23/08/2022 16:03
Expedição de Outros documentos.
-
23/08/2022 16:02
Incluído em pauta para 13/09/2022 14:00:00 Sala de sessões n. 3.
-
24/09/2020 11:40
Juntada de Certidão de inteiro teor
-
23/09/2020 21:14
Juntada de comprovante de recolhimento de custas
-
07/07/2020 14:19
Juntada de Parecer
-
07/07/2020 14:19
Conclusos para decisão
-
03/07/2020 11:23
Expedição de Outros documentos.
-
02/07/2020 18:14
Remetidos os Autos da Distribuição ao(à) 3ª Turma
-
02/07/2020 18:14
Juntada de Informação de Prevenção.
-
01/07/2020 10:41
Recebidos os autos
-
01/07/2020 10:41
Recebido pelo Distribuidor
-
01/07/2020 10:37
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
01/07/2020
Ultima Atualização
16/09/2022
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
ACÓRDÃO • Arquivo
ACÓRDÃO • Arquivo
ACÓRDÃO • Arquivo
ACÓRDÃO • Arquivo
SENTENÇA TIPO A • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
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