TJRN - 0805872-51.2023.8.20.5101
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Berenice Capuxu
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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07/07/2025 10:07
Recebidos os autos
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07/07/2025 10:07
Conclusos para despacho
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07/07/2025 10:07
Distribuído por sorteio
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14/04/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 1ª Vara da Comarca de Caicó Avenida Dom José Adelino Dantas, S/N, Maynard, CAICÓ/RN - CEP 59330-000 Contato: (84) 36739571 - Email: [email protected] PROCESSO: 0805872-51.2023.8.20.5101 AUTOR: RIVERA KATIA DA ROCHA SALES RÉU: BANCO BRADESCO S/A.
SENTENÇA I – RELATÓRIO Rivera Katia da Rocha Sales ajuizou a presente ação de repactuação de dívidas com pedido liminar, com fundamento no artigo 104-A do Código de Defesa do Consumidor, incluído pela Lei n.º 14.181/2021, em face de Banco Bradesco S.A., Crefisa S.A.
Crédito, Financiamento e Investimentos, e Nu Financeira S.A.
A autora relatou que, embora aufira renda mensal bruta de R$ 8.841,50 como servidora pública, sua capacidade de arcar com as obrigações financeiras foi comprometida por sucessivas contratações de crédito com as rés, cujos descontos – sejam consignados, sejam efetuados por débito em conta corrente – suprimem parcela substancial de sua renda líquida, ultrapassando os limites razoáveis e comprometendo sua dignidade existencial.
Afirmou que se encontra em situação de superendividamento civil, tendo apresentado plano de repactuação com base em cálculo técnico-financeiro, limitando os encargos mensais ao patamar de 30% da sua renda líquida, correspondente a R$ 2.208,13.
Nesse cenário, pretende a reestruturação judicial de suas obrigações, com o reconhecimento da situação de superendividamento, suspensão das cobranças e homologação do plano apresentado.
Requereu, liminarmente, a suspensão dos descontos e a homologação judicial do plano de pagamento apresentado.
A inicial veio instruída com farta documentação comprobatória, incluindo contratos, extratos e plano de repactuação.
A tutela de urgência foi indeferida.
Citadas, as requeridas contestaram a ação nos seguintes termos: 1.
Crefisa S.A.
Crédito, Financiamento e Investimentos (ID 113472616): Em sua defesa, a Crefisa reconheceu a existência da relação contratual com a autora, mas sustentou que esta escolheu livremente a forma de pagamento por débito em conta corrente, não havendo margem consignável ou qualquer limitação legal aplicável ao contrato.
Aduziu que não cabe alegar superendividamento como fundamento para revisão de contrato voluntariamente celebrado, sobretudo porque a autora dispunha de outras opções menos onerosas.
Ressaltou que o contrato celebrado é válido, regular e transparente, contendo cláusulas claras, e que a inadimplência decorre de má gestão financeira da consumidora.
Invocou o julgamento do REsp 1.863.973/SP (Tema 1.059), no qual o STJ decidiu pela licitude dos descontos autorizados em conta corrente, ainda que a conta seja utilizada para recebimento de salário, desde que haja prévia autorização do titular.
Requereu, ao final, a improcedência dos pedidos, bem como o afastamento da aplicação do art. 104-A do CDC. 2.
Banco Bradesco S.A. (ID 114927909): O Bradesco, em sua peça defensiva, reconheceu a contratação de operações de crédito pela autora, porém argumentou que não houve abusividade ou irregularidade na concessão dos empréstimos.
Sustentou que os contratos foram firmados com livre manifestação de vontade da requerente, os quais respeitam a legalidade e a boa-fé objetiva.
Afirmou que a autora não comprovou a impossibilidade absoluta de adimplir seus débitos, tampouco a alegada insuficiência de recursos para garantir sua subsistência, sendo que os contratos foram livremente pactuados com conhecimento prévio dos encargos financeiros.
Argumentou que a mera existência de múltiplos contratos e dificuldades financeiras não configura, por si só, superendividamento, o qual demandaria, segundo a instituição, demonstração inequívoca da boa-fé objetiva e da impossibilidade de pagamento involuntária e imprevisível.
Ao final, pugnou pela rejeição da pretensão de repactuação compulsória, requerendo a total improcedência da demanda. 3.
Nu Financeira S.A. – Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento (ID 115599798): A Nu Financeira, por sua vez, admitiu que a autora possui débito pendente decorrente de contratação de produto financeiro (cartão de crédito ou financiamento digital), mas sustentou que sua participação na dívida é restrita, tratando-se de uma entre várias instituições contratadas pela autora.
Apontou que a demandante agiu com plena ciência das suas condições econômicas, assumindo sucessivas obrigações mesmo diante da limitação de sua capacidade de pagamento, o que demonstraria ausência de responsabilidade exclusiva da instituição pelo eventual superendividamento.
Ressaltou que os contratos foram celebrados digitalmente, com informações claras e acessíveis, e que não se pode utilizar o Judiciário como meio para reverter as consequências de atos jurídicos plenamente válidos.
Requereu a improcedência dos pedidos, notadamente da imposição de plano compulsório de pagamento e da suspensão de cobrança dos débitos.
Intimadas para dizerem as provas que pretendem produzir, todas as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide. É o breve relato.
Decido.
II – FUNDAMENTAÇÃO Nos termos do art. 355, I, do CPC, é cabível o julgamento antecipado da lide, visto que a matéria é eminentemente de direito e os documentos constantes dos autos são suficientes para formação do convencimento judicial.
A parte autora figura como destinatária final dos serviços bancários contratados, configurando- se a relação de consumo, conforme os arts. 2º e 3º do CDC.
Sua condição de hipervulnerabilidade está evidenciada não apenas pela complexidade dos produtos financeiros contratados, mas também pela comprovação de comprometimento excessivo da renda, o que legitima a incidência da Lei do Superendividamento (Lei n.º 14.181/2021).
Por sua vez, a Lei nº 14.181/2021 define superendividamento como a impossibilidade real de pagar as dívidas sem afetar o mínimo existencial.
Contudo, não basta alegar dificuldades financeiras para obter a revisão contratual. É necessário demonstrar de forma objetiva que a renda líquida do consumidor é insuficiente para garantir sua sobrevivência.
No caso em análise, verifico que a parte autora não comprovou que sua renda não cobre despesas essenciais.
Os documentos apresentados mostram que, apesar do comprometimento com empréstimos consignados firmados com os réus, não há evidência de inadimplência ou incapacidade de arcar com custos básicos, como moradia, alimentação e saúde.
Além disso, não há registros de que possua dependentes, o que enfraquece sua alegação de comprometimento do mínimo existencial.
Os descontos referentes ao empréstimo consignado estão dentro dos limites legais e vêm sendo regularmente pagos.
Ademais, o contracheque da parte autora, servidor público, indica um salário bruto de R$ 4.680,71 (quatro mil, seiscentos e oitenta reais e setenta e um centavos) e um salário líquido de R$ 2.573,60 (dois mil, quinhentos e setenta e três reais e sessenta centavos), o que reforça a ausência de comprometimento integral da renda (ID 112085420).
Sobre o percentual de desconto das parcelas do empréstimo, os valores descontados respeitam a margem consignável prevista na Lei nº 10.820/2003, não havendo evidências que os demandados tenham realizado descontos indevidos ou acima do permitido.
Outrossim, eventual recusa dos Bancos réus de renegociarem as dívidas tampouco configura conduta abusiva.
Não há obrigação legal que imponha ao credor a renegociação de contratos válidos, salvo em casos de evidente onerosidade excessiva.
Outrossim, o autor não demonstrou ter buscado renegociação antes da ação judicial, reforçando a inexistência de irregularidade por parte da instituição financeira.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a revisão contratual em casos de onerosidade excessiva por fatos imprevisíveis.
Entretanto, não há prova de que as condições inicialmente pactuadas se tornaram desproporcionais ou abusivas no presente caso. Os contratos refletem as condições normais do mercado, sem indícios de irregularidade.
No mesmo sentido cito precedentes recentes oriundos do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN): EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS. SUPERENDIVIDAMENTO.
NÃO COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO SEM COMPROMETER O MÍNIMO EXISTENCIAL.
DESCONTO DENTRO DOS LIMITES LEGAIS. SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1.
O reconhecimento do superendividamento exige prova objetiva da impossibilidade de pagamento das dívidas sem comprometer o mínimo existencial. 2.
Descontos referentes a empréstimos consignados dentro dos limites legais não configuram abusividade. 3.
A dificuldade financeira isolada não justifica a repactuação compulsória da dívida sem demonstração de onerosidade excessiva e impacto concreto na subsistência do devedor. 4.
A recusa do credor em renegociar a dívida não configura abuso, salvo em casos de evidente desproporcionalidade contratual. (TJRN.
APELAÇÃO CÍVEL, 0827277-55.2023.8.20.5001, Des.
Dilermando Mota, Primeira Câmara Cível, JULGADO em 28/02/2025, PUBLICADO em 06/03/2025 – Destacado). EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPACTUAÇÃO DE DÍVIDAS.
SUPERENDIVIDAMENTO.
INEXISTÊNCIA.
INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 14.181/2021. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
RECURSO DESPROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de repactuação de dívidas com fundamento na Lei nº 14.181/2021, sob o argumento de que a parte autora não se enquadra na condição de superendividada.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
A controvérsia consiste em determinar: (i) se a situação financeira da apelante caracteriza superendividamento apto a ensejar a aplicação da Lei nº 14.181/2021; (ii) se os descontos realizados nos rendimentos da recorrente comprometem o mínimo existencial.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
O superendividamento exige a demonstração da impossibilidade manifesta de pagamento da totalidade das dívidas, sem comprometimento do mínimo existencial, nos termos do artigo 54-A do Código de Defesa do Consumidor. 4.
Os valores descontados da folha de pagamento da recorrente, conforme apurado nos autos, não inviabilizam sua subsistência, restando preservada quantia suficiente para suas despesas essenciais. 5.
O instituto do superendividamento não pode ser empregado como mecanismo de revisão de contratos regularmente firmados, sob pena de violação ao princípio da autonomia privada. 6.
Ausente a demonstração de conduta abusiva por parte das instituições financeiras ou de comprometimento do mínimo existencial, inviável a repactuação compulsória dos contratos. IV.
DISPOSITIVO E TESE 7.
Conhecido e desprovido o recurso.
Tese de julgamento: "1.
Para a aplicação das regras da Lei nº 14.181/2021, exige-se a demonstração da manifesta impossibilidade de pagamento das dívidas sem comprometimento do mínimo existencial.2.
O superendividamento não pode ser utilizado como fundamento genérico para modificação das cláusulas contratuais regularmente pactuadas, sob pena de afronta ao princípio da autonomia privada. (TJRN.
APELAÇÃO CÍVEL, 0825981-95.2023.8.20.5001, Desª.
Berenice Capuxú, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 27/02/2025, PUBLICADO em 06/03/2025 – Destacado). Em suma, concluo que a parte autora não se enquadra na condição de superendividado nem demonstrou abusividade nas cláusulas contratuais.
Os contratos foram firmados conforme a legislação vigente, não cabendo interferência do Poder Judiciário para modificar os termos pactuados. III – DISPOSITIVO Ante o exposto, afasto as preliminares suscitadas e JULGO IMPROCEDENTE os pedidos formulados, extinguindo processo com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, do CPC.
Em razão da sucumbência total da parte autora, condeno-a em custas processuais e honorários sucumbenciais, estes no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da ação, conforme artigo 85, § 2º, do CPC, restando a exigibilidade suspensa pelo prazo de 05 (cinco) anos nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.
Caso haja a interposição de Recurso de Apelação, intime-se a parte recorrida, para, no prazo legal, oferecer contrarrazões, remetendo-se os autos em seguida para o Juízo ad quem.
Com o trânsito em julgado, inexistindo requerimentos formulados pelas partes, arquivem-se os autos com baixa na distribuição.
Publique-se.
Intimem-se.
Cumpra-se CAICÓ/RN.
NATÁLIA MODESTO TORRES DE PAIVA Juiz(a) de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei nº 11.419/06)
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
07/07/2025
Ultima Atualização
14/04/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
Ato Ordinatório • Arquivo
Ato Ordinatório • Arquivo
Sentença • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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