TJRN - 0812283-66.2021.8.20.5106
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. Des. Joao Reboucas Na Camara Civel
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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30/05/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0812283-66.2021.8.20.5106 Polo ativo EDER LÚCIO BORGES ALVES, e outros Advogado(s): IGOR OLIVEIRA CAMPOS Polo passivo MAXSYLIANA MYRELLY DA SILVA Advogado(s): ACLECIVAM SOARES DA SILVA Apelação Cível nº 0812283-66.2021.8.20.5106 Apelante: Eder Lúcio Borges Alves Advogado: Dr.
Igor Oliveira Campos Apelada: Maxsyliana Myrelly da Silva Advogado: Dr.
Aclecivam Soares da Silva Relator: Desembargador João Rebouças.
Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
AÇÃO POSSESSÓRIA.
REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
PRINCÍPIO DA SAISINE.
IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE COMPOSSE COM FUNDAMENTO EM VÍNCULO AFETIVO.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação cível interposta contra sentença que deferiu reintegração de posse em favor da herdeira de falecido possuidor de imóvel não registrado, impugnando-se o reconhecimento da composse do Apelante sobre o bem.
Sustenta-se a existência de vínculo afetivo com o de cujus e a suposta constituição de composse, a fim de afastar a reintegração de posse.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) definir se é possível reconhecer composse do Apelante com o de cujus sobre o imóvel litigioso; (ii) estabelecer se a posse do bem, exercida pelo de cujus, pode ser protegida judicialmente por herdeira com base no princípio da saisine, ainda que não tenha havido posse de fato posterior ao falecimento.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
O reconhecimento da composse exige a existência de ato jurídico hábil ou manifestação inequívoca de vontade do possuidor originário, o que não se comprova nos autos, já que a única escritura apresentada é particular e não registrada, sem força de transferência da posse ou da propriedade (CC, art. 108). 4.
O vínculo afetivo entre o Apelante e o de cujus, ainda que reconhecido pelas testemunhas, não se confunde com relação jurídica formal ou material apta a constituir composse, sobretudo diante da existência de herdeira legítima. 5.
Com base no princípio da saisine (CC, art. 1.784), a posse do bem é transmitida automaticamente aos herdeiros no momento do falecimento do autor da herança, sendo desnecessária a demonstração de exercício de posse de fato para a proteção possessória. 6.
A jurisprudência consolidada do STJ e de tribunais estaduais confirma que o herdeiro tem direito à proteção possessória mesmo sem exercer fisicamente a posse, desde que esta tenha sido exercida pelo de cujus antes do óbito. 7.
Ausente prova de composse e demonstrada a legitimidade da herdeira para pleitear a reintegração da posse, é cabível a proteção possessória em favor da parte Apelada.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 8.
Recurso conhecido e desprovido. _________ Dispositivos relevantes citados: CC, arts. 108, 1.196, 1.199 e 1.784; CPC, arts. 319 e 85, §11; art. 98, §3º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp nº 1.547.788/RS, Rel.
Min.
Moura Ribeiro, 3ª Turma, j. 16/05/2017; TJAM, AC nº 0000805-33.2020.8.04.2501, Rel.
Des.
Flávio Humberto Pascarelli Lopes, j. 28/06/2023; TJSP, AI nº 2131633-66.2024.8.26.0000, Rel.
Des.
Vitor Frederico Kümpel, j. 05/07/2024; TJMS, AC nº 0801842-46.2022.8.12.0019, Rel.
Des.
Sideni Soncini Pimentel, j. 13/09/2023.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores da Primeira Turma da Segunda Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta por Eder Lúcio Borges Alves, em face da sentença proferida pelo Juízo da 4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró que, nos autos da Ação de Interdito Proibitório c/c Cominatória ajuizada por Maxsyliana Myrelly da Silva, julgou procedente “a pretensão autoral, para reintegrar a demandante na posse do imóvel e do veículo descritos e caracterizados na petição inicial, e, por conseguinte, extinguir o processo com resolução do mérito, nos termos do disposto no art. 487, I, do CPC.” Ato contínuo, condenou a parte Demandada ao pagamento das custas processuais e honorários sucumbenciais no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, com base no art. 85, § 2º, do CPC.
Em suas razões, a parte Apelante aduz que detinha composse sobre o imóvel junto com seu falecido tio, Francisco Pedro Filho, com quem convivia como se fosse pai e filho e enfatiza que viveu no imóvel por mais de 27 anos, participando diretamente da sua manutenção e arcando com despesas como água e energia elétrica.
Sustenta que as testemunhas confirmam que seu Tio sempre o tratou como um filho e que expressou sua intenção de deixar o imóvel em seu favor, bem como que isto também pode ser comprovado pelos documentos juntados, tais como comprovantes de pagamento de despesas vinculadas ao imóvel.
Argumenta, ainda, a existência da composse porque ambos exerciam posse direta e indireta sobre o bem, em uma relação de uso e conservação conjunta.
Ao final, requer o conhecimento e provimento do recurso para “declarar a composse existida entre o Demandado/Recorrente e o seu falecido tio, FRANCISCO PEDRO FILHO, até a data do seu falecimento (25/06/2021), sobre IMÓVEL RESIDENCIAL, situado na Rua Marechal Deodoro, nº 902, Bairro Paredões, nesta cidade, legitimando, assim, a ocupação do Demandado/Recorrente no imóvel.” Contrarrazões pelo desprovimento do recurso (Id 29895648).
O processo deixou de ser remetido ao Ministério Público por não se enquadrar nas hipóteses dos artigos 127 e 129 da Constituição Federal e artigos 176 a 178 do Código de Processo Civil. É o relatório.
VOTO Presentes os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Cinge-se a análise deste recurso acerca da viabilidade de ser declarada a composse das partes sobre o imóvel em questão e afastar a reintegração da posse deferida em favor da parte Apelada.
No que diz respeito ao Interdito Proibitório, cumpre-nos observar que assim como as demais Ações Possessórias, esta tem como requisito para a sua admissibilidade, além daqueles previstos no art. 319 do CPC/2015, a prova da posse exercida pela parte Autora e do justo receio de ser molestado na posse.
Outrossim, de acordo com art. 1.196 do Código Civil, “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.” Frise-se, ainda, que na forma do art. 1.199 do Código Civil, “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores.” Feitas essas considerações, da leitura do processo, verifica-se que inexiste prova documental eficaz da constituição de composse entre o Apelante e o falecido Francisco Pedro Filho.
Mister ressaltar que o imóvel não é registrado e a única escritura apresentada pelo Apelante é de natureza particular de compra e venda (Id 29895587), o que, além de não constituir prova de doação, não transfere posse ou propriedade juridicamente válidas sem a respectiva escritura pública e registro, consoante infere-se do art. 108 do Código Civil.
Ademais, não há prova de que o de cujus reconhecia o Apelante como possuidor ou coproprietário do bem, tampouco que tenha havido ato jurídico hábil de partilha ou cessão da posse.
Com efeito, vislumbra-se apenas alegação de natureza afetiva e de convivência, que não pode ser confundida com relação jurídica formal ou material capaz de configurar a composse.
Importante destacar, também, que dos depoimentos das testemunhas é incontroverso que o Apelante teria sido criado “como filho” pelo de cujos, mas isto não tem o condão de transformar o vínculo de afeto em direito possessório exclusivo ou compartilhado, diante da existência de filho legítimo do de cujos.
Nesse contexto, cumpre-nos observar que a posse do imóvel em questão está sendo reivindicada em razão de herança, bem como que, de acordo com o art. 1.784 do Código Civil, “a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.” Com efeito, a jurisprudência do Colendo STJ adota o entendimento no sentido de que conforme o Princípio da Saisine, os herdeiros são investidos na posse e administração dos bens do de cujos, não se mostrando essencial a prova do exercício de fato da posse para que o herdeiro tenha direito à proteção possessória.
Vejamos: “EMENTA: CIVIL E PROCESSO CIVIL.
RECURSO ESPECIAL.
RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73.
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/73 QUE NÃO SE VERIFICA.
MORTE DO AUTOR DA HERANÇA.
PRINCÍPIO DA SAISINE.
AQUISIÇÃO EX LEGE.
PROTEÇÃO POSSESSÓRIA INDEPENDENTE DO EXERCÍCIO FÁTICO PELO HERDEIRO.
SUCESSÃO QUE NÃO CRIAR DIREITOS E OBRIGAÇÕES.
BENS TRANSFERIDOS AOS HERDEIROS DA MESMA FORMA COMO SE ENCONTRAVAM COM O DE CUJUS.
ATO EFETIVO DE POSSE NUNCA EXERCIDO PELA FAMÍLIA LO PUMO.
CONCLUSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM COM BASE NAS PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO.
REEXAME.
IMPOSSIBILIDADE.
SÚMULA Nº 7 DO STJ.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. 1.
Inaplicabilidade do NCPC a este julgamento ante os termos do Enunciado Administrativo nº 2 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2.
Não há violação do disposto no art. 535 do CPC/73 quando o aresto recorrido adota fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, sendo desnecessária a manifestação expressa sobre todos os argumentos apresentados. 3.
Em virtude do princípio da saisine, os herdeiros são investidos na posse e administração dos bens do autor da herança.
Assim, o exercício fático da posse não é requisito essencial para que o herdeiro tenha direito à proteção possessória contra eventuais atos de turbação ou esbulho, tendo em vista que sua transmissão se dá ope legis.
Precedente. 4.
Contudo, tal sucessão não tem o condão de criar direitos e obrigações, uma vez que ela se efetiva em mera sub-rogação, isso quer dizer, os bens são transferidos aos herdeiros da mesma forma como se encontravam com o de cujus, ou seja, com todas as suas qualidades e vícios. 5.
Se o autor da herança jamais exerceu posse sobre a área questionada, como afirmado pelas instâncias ordinárias, o que não pode mais ser questionado (Súmula nº 7 do STJ), se torna inviável a herdeira pretender defender a posse que seu pai jamais teve. 6.
Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido.” (STJ - REsp nº 1.547.788/RS – Relator Ministro Moura Ribeiro – 3ª Turma – j. em 16/05/2017 – destaquei). “Ementa: APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.
HERDEIROS.
PRINCÍPIO DA SAISINE.
REQUISITOS DO ARTIGO 561 DO NCPC.
PROVADOS.
POSSE TRANSFERIDA AUTOMATICAMENTE AOS HERDEIROS.
CONFIGURADO O ESBULHO.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1 - Não apenas a propriedade, como também a posse, são transferidas aos herdeiros pelo princípio da saisine, de modo que ainda que estes não tenham exercido fisicamente a posse sobre o bem, é viável a sua defesa perante terceiros. 2 - Comprovada a posse exercida pelo falecido, esta, pelo princípio da saisine, se transmite a seus herdeiros, podendo ser defendida por quem de direito. 3 – Recurso conhecido e desprovido.” (TJAM – AC nº 0000805-33.2020.8.04.2501 – Relator Desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes – 1ª Câmara Cível – j. em 28/06/2023 – destaquei). “EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO.
ARBITRAMENTO E COBRANÇA DE ALUGUEL.
Ação movida pelo espólio em face de um dos herdeiros.
Decisão que intimou a parte Agravante para realizar a emenda à inicial, para fins de reduzir o percentual da cobrança dos alugueres.
ALUGUEL.
Utilização exclusiva do bem pelo herdeiro sem pagamento de aluguéis proporcionais.
Aplicação do princípio da saisine conforme artigo 1.784 do Código Civil, que assegura a transferência imediata da posse e propriedade dos bens do falecido aos herdeiros.
Inventário em curso sem homologação de partilha.
Herdeiros já detêm a copropriedade e posse indireta do bem, devendo a cobrança de aluguéis ser proporcional à parte não pertencente ao herdeiro agravado.
Decisão mantida.
Agravo desprovido.” (TJSP – AI nº 2131633-66.2024.8.26.0000 – Relator Desembargador Vitor Frederico Kümpel – 4ª Câmara de Direito Privado – j. em 05/07/2024 – destaquei). “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – PRINCÍPIO DA SAISINE - ADMINISTRAÇÃO E POSSE DE BENS AQUISIÇÃO EX LEGE - DIREITO DO HERDEIRO À PROTEÇÃO POSSESSÓRIA INDEPENDENTE DO EXERCÍCIO FÁTICO E PESSOAL DA POSSE - BENS TRANSFERIDOS AOS HERDEIROS DA MESMA FORMA COMO SE ENCONTRAVAM COM O DE CUJUS - NÃO COMPROVAÇÃO DE ATO EFETIVO DE POSSE EXERCIDO PELA AUTORA DA HERANÇA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1.
O princípio da saisine consiste na transferência automática da administração e posse dos bens do falecido proprietário aos herdeiros, logo a transmissão se dá ope legis. 2.
No entanto, a saisine consiste em mera sub-rogação de direitos do falecido aos herdeiros, de modo que os bens são transferidos aos herdeiros da mesma forma como se encontravam com o de cujus, ou seja, com todas as suas qualidades e vícios. 3.
Como o autor não provou que a autora da herança exercia posse do imóvel a qual foi a ele transmitida, bem como evidenciado que a posse de fato estava sendo exercida pelo irmão co-herdeiro que a cedeu em comodato, irrepreensível a sentença de improcedência do pedido de reintegração de posse. 4.
Recurso conhecido e desprovido.” (TJMS – AC nº 0801842-46.2022.8.12.0019 – Relator Desembargador Sideni Soncini Pimentel – 4ª Câmara Cível – j. em 13/09/2023 – destaquei).
Ainda dessa jurisprudência, infere-se que a sucessão implica sub-rogação da herança aos herdeiros, isto é, os bens são transferidos aos herdeiros na mesma situação em que se encontravam com o de cujus.
Dessa maneira, com base no Princípio da Saisine, adotado pelo Direito pátrio e previsto no art. 1.784 do Código Civil, a posse sobre o imóvel em questão exercida pelo autor da Herança, após seu falecimento, foi imediatamente transmitida a sua filha, na qualidade de herdeira, assim como o direito de defender essa posse.
Por conseguinte, reitera-se, não restou comprovada composse sobre o imóvel em favor da parte Apelante, mas tão somente alegação de parentesco e de natureza afetiva, que não pode ser confundida com relação jurídica formal ou material capaz de superar direitos de um filho em relação a herança.
Face ao exposto, conheço e nego provimento ao recurso e majoro o valor dos honorários sucumbenciais para o importe de 15% (quinze por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade em razão da parte Apelante ser beneficiária da Justiça Gratuita, com base no art. 85, §11 c/c art. 98, §3º, do CPC. É como voto.
Natal, data na assinatura digital.
Desembargador João Rebouças Relator Natal/RN, 19 de Maio de 2025. -
07/05/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Segunda Câmara Cível Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0812283-66.2021.8.20.5106, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 19-05-2025 às 08:00, a ser realizada no 2ª CC Virtual (Votação Exclusivamente PJE).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 6 de maio de 2025. -
14/03/2025 10:59
Recebidos os autos
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14/03/2025 10:59
Conclusos para despacho
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14/03/2025 10:59
Distribuído por sorteio
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20/12/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 4ª Vara Cível da Comarca de Mossoró Processo nº: 0812283-66.2021.8.20.5106 Ação: INTERDITO PROIBITÓRIO (1709) AUTOR: MAXSYLIANA MYRELLY DA SILVA REU: EDER LUCIO BORGES ALVES SENTENÇA Vistos etc.
RELATÓRIO Trata-se de Interdito Proibitório c/c Ação Cominatória, ajuizada por MAXSYLIANA MYRELLY DA SILVA, qualificada nos autos, em desfavor de ÉDER LÚCIO BORGES ALVES, igualmente qualificado.
Em prol do seu querer, a demandante alega ser filha única de FRANCISCO PEDRO FILHO, tendo este falecido na data de 25/06/2021, com estado civil de solteiro, conforme Certidão de Nascimento acostada no ID 70524325 e Certidão de Óbito acostada no ID 70524327.
Aduz que, como herança, o de cujus deixou apenas UM IMÓVEL RESIDENCIAL, situado na Rua Marechal Deodoro, nº 902, Bairro Paredões, nesta cidade, e um VEÍCULO tipo KADETTE GL, ano/modelo 1994/1995.
Sustenta que, após o falecimento de seu pai, o seu primo ÉDER LÚCIO BORGES ALVES, ora demandado, que reside na Rua Artur Bernardes, 325, Bairro Bom Jardim, nesta cidade, apossou-se do imóvel e do veículo acima mencionados, uma vez que se recusa a entregar as chaves dos citados bens à demandante.
Informa que o imóvel não tem registro imobiliário, uma vez que seu genitor o adquiriu mediante Escritura Particular, na data de 23/02/1990, cuja cópia se acha no ID 70524932.
Afirma que, em razão disso, e para evitar a ocorrência de turbação ou esbulho, ajuizou a presente ação, com base no disposto no art. 567, do CPC, pugnando que o promovido seja condenado a entregar as chaves do imóvel e do veículo objeto desta demanda, sob penal de multa diária.
Requereu a concessão de liminar para que o réu proceda à imediata entrega das chaves.
Pediu o benefício da Justiça gratuita.
Por ocasião do recebimento da inicial, foi deferido o pedido de Justiça gratuita.
Após manifestação do demandado, foi indeferido o pedido de liminar.
Citado, o promovido ofereceu contestação, dizendo ser o senhor e legítimo possuidor do imóvel litigioso, desde a data de 07/10/1997, quando o seu tio FRANCISCO PEDRO FILHO (pai da demandante) fez DOAÇÃO do referido bem ao promovido, como se comprova pela Escritura Particular de Compra e Venda, cuja cópia se encontra no ID 72642634.
Sustenta que, desde então, passou a residir no imóvel, na companhia do seu tio, de modo que o exercício da posse já perdura por mais de 27 (vinte e sete) anos.
Acrescenta que sempre cuidou do imóvel e do seu tio, arcando com as despesas de pagamento de faturas de água e energia elétrica, conforme comprovantes de pagamentos acostados aos autos.
No tocante ao automóvel, diz que as chaves do mesmo estão, como sempre estiveram, à disposição da demandante, acerca do que a autora já foi, inclusive, notificada extrajudicialmente.
Protestou pela total improcedência da pretensão autoral.
A autora impugnou a contestação, alegando que a suposta doação do imóvel não tem validade, uma vez que: (i) na época da suposta doação, o donatário era menor impúbere e não teve um representante; (ii) a suposta doação excedeu o limite legal de 50% do patrimônio do doador.
Afirmou, também, que o demandado nunca residiu no imóvel objeto desta ação, mas sim na Rua Artur Bernardes, 325, bairro Bom Jardim, onde, inclusive, foi citado.
Após o despacho de pré saneamento, a parte autora requereu o julgamento antecipado do feito, enquanto o demandado requereu a produção de prova testemunhal.
Foi designada audiência de instrução e julgamento, que aconteceu na data de 12/03/2024, cujo termo se encontra no ID 116895495, e mídias - com os depoimentos - nos IDs 116897330, 116897331 e 130088107.
Em seguida, as partes apresentaram as alegações finais, reiterando suas respectivas teses e pleitos. É o relatório.
Decido.
FUNDAMENTAÇÃO A demandante ajuizou a presente ação, atribuindo à mesma o nomen iuris de Interdito Proibitório.
O interdito proibitório é uma ação de natureza possessória, podendo ser proposta por possuidor que tenha justo receio de ser molestado em sua posse, requerendo ao magistrado que o proteja da turbação ou esbulho iminente através de mandado proibitório, sob pena pecuniária, nos termos do artigo art. 567, do CPC.
Porém, cumpre ressaltar que, em sua inicial, a parte autora alega que, após o falecimento do seu pai, o senhor Élder Lúcio Borges Alves, ora demandado, tomou posse de um imóvel residencial e de um automóvel deixados pelo de cujus, recusando-se peremptoriamente a entregar as chaves dos referidos bens à demandante.
A narrativa supra, a meu ver, evidencia situação que extrapola a mera ameaça ou iminência de turbação ou esbulho que se pretende resguardar com o pedido de interdito proibitório.
Trata-se de clara agressão à posse, configurando, em tese, um "esbulho" consumado, cuja tutela possessória apta à sua proteção é Reintegração de Posse.
Portanto, impõe-se lembrar que o Direito brasileiro consagra a fungibilidade entre as tutelas possessórias, conforme se infere na redação do art. 554, do CPC: "A propositura de uma ação possessória em vez de outra não obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal correspondente àquela cujos pressupostos estejam provados." Destarte, independentemente do ajuizamento de uma ação que pleiteia tutela possessória de reintegração, manutenção ou interdito proibitório, cumpre ao magistrado, diante dos elementos probatórios do caso, conceder a tutela possessória adequada à situação.
Assim sendo, hei por bem aplicar o princípio da fungibilidade, para converter este interdito proibitório em Ação de Reintegração de Posse.
Não havendo questões processuais pendentes, passo direto ao exame do mérito.
Restou incontroverso nos autos que o senhor FRANCISCO PEDRO FILHO, pai da demandante e tio do promovido, era possuidor do imóvel objeto desta demanda, restando saber se, após o falecimento de Francisco Pedro, essa posse foi transferida para autora, com base no instituto da Saisine, albergado no art. 1.784, do Código Civil de 2003; ou se já pertencia ao promovido, por força de doação feita na data de 07/10/1997.
O art. 1.784, do Código Civil, assim dispõe: "Art. 1.784.
Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários".
A saisine originou-se no direito parisiense no período medieval em meados do ano de 1.259, com o fim de defender direito de herança, propriedade dos bens compostos à ela, em benefício dos herdeiros do falecido.
Fato esse que a própria expressão advém do vocábulo latim "sacire"; "apropriar-se" ou "se imitir na posse".
Assim, a referida saisine adotada pela doutrina francesa, norteou o imediatismo na transmissão dos bens do de cujus aos herdeiros, de forma tal que a transferência dos bens se concretiza com a morte do antigo proprietário, conforme alude a expressão "le mort saisit le vif", isto é, o morto é substituído pelo vivo.
No caso concreto, significa dizer o seguinte: se, por ocasião de sua morte, o senhor Francisco Pedro Neto tinha a posse do imóvel ensejador da presente demanda, essa posse foi automaticamente transferida para sua única filha, ora demandante.
Do contrário, se o de cujus já havia transferido essa posse para o promovido, a autora nada tem a reclamar. É o que passo a analisar, doravante.
Pois bem.
A demandante alega que o imóvel lhe pertence, por ser ela a única herdeira do extinto possuidor.
Por outro lado, o promovido entende que o referido bem lhe pertence, tendo em vista a doação recebida do seu tio Francisco Pedro Neto.
A transferência de bens é uma questão que sempre gera dúvidas nos interessados em repassar parte do seu patrimônio. É importante saber que isto pode ser feito através de Compra e Venda, Doação ou até mesmo por Testamento.
A compra e venda dispensa maiores comentários, pois não suscitada grandes dúvidas.
A transferência é feita através de testamento, quando o responsável deseja que a realização acontece após sua morte; ou através de doação de bens, que acontece ainda em vida.
Na compra e venda, a posse do bem, via de regra, é transferida de imediato.
Da mesma forma, na doação, pois mesmo quando a doação é feita com reserva de usufruto para o doador, o donatário recebe, de imediato, a posse indireta.
Contudo, no testamento, a transferência da posse só ocorre após a morte do autor da herança (testador).
Pautado em tais premissas, concluo que não houve doação do imóvel em questão para o promovido Éder Lúcio Borges Alves, uma vez que o canhestro ato foi formalizado por meio de uma Escritura Particular de Compra e Venda, onde, logo no seu início, o suposto doador ou vendedor expressou a seguinte manifestação de vontade: "Saibam todos os que o presente instrumento particular de escritura de compra e venda virem que, entre nós, FRANCISCO PEDRO FILHO, brasileiro, solteiro, auxiliar de operacional, residente e domiciliado nesta cidade de Mossoró, com identidade nº 0247.004-RN, vem, por livre e espontânea vontade, "ADMITIR", após a sua morte, os direitos legais de: para todos os fins, para a pessoa de ÉDER LÚCIO BORGES ALVES, brasileiro, menor, estudante, residente e domiciliado nesta cidade de Mossoró-RN". (grifei). (Escritura no ID 72642634).
A meu juízo, essa declaração de vontade deixa por demais claro que não houve uma doação, uma vez que doação não é feita para após a morte.
Portanto, se não houve doação, também não ocorreu a transferência da posse do imóvel para o suposto donatário, ora promovido.
Ademais, não encontro nos autos prova suficiente a demonstrar que o demandado tenha, sequer, em tempo algum, habitado no imóvel em questão, tendo em vista que: Primeiro: para responder aos termos da presente ação, o promovido foi citado no endereço da Rua Artur Bernardes, 325, Bairro Bom Jardim, nesta cidade, e não na Rua Marechal Deodoro, 902, onde fica o imóvel litigioso.
Segundo: no ID 72642629 dos autos, encontra cópia da Carteira Profissional do promovido, na qual consta a anotação de Contrato de Trabalho com a empresa M.
DE FREITAS FILGUEIRA - ME, com data de 01/02/2018, constando o endereço do demandado como sendo na Rua Artur Bernardes, 325, Bairro Bom Jardim, nesta cidade, e não no endereço do imóvel litigioso.
Terceiro: as faturas de fornecimento de água e de energia elétrica que o demandado acostou aos autos, nos IDs 726426639, 72642640, 72642641, 72642642, 72642643 e 72642644, estão todas no nome do Senhor Francisco Pedro Neto, e não do promovido, e, além disso, excetuando-se apenas uma delas, todas as outras foram pagas após a data do falecimento do senhor Francisco Pedro Neto.
Ou seja, o réu não comprovou a realização de qualquer despesa com o imóvel anterior ao falecimento do seu tio Francisco Pedro.
Quarto: o dossiê de abertura de conta bancária junto à Caixa Econômica, que o promovido acostou aos autos para provar seu endereço no imóvel litigioso, também não corrobora com a alegação do demandado, uma vez que se trata de documento novo, elaborado em 19/08/2021, posterior ao falecimento de Francisco Pedro.
Quinto: por fim, as testemunhas arroladas pelo réu foram absolutamente contraditórias em seus depoimentos.
Uma afirmava que nunca esteve no imóvel, mas sabe que o demandado ali residia.
Outra afirmou que o promovido já residiu no imóvel, mas depois saiu, e só passava por lá nos finais de semana.
As mídias com os depoimentos das testemunhas se encontram nos IDs 116897330, 116897331 e 130088107.
Portanto, de tudo quanto existe nos autos, nada, absolutamente nada, encontro que possa demonstrar que o promovido tenha, em tempo algum, exercido a posse do imóvel ensejador da presente demanda.
A meu juízo, o conjunto probatório revela que a posse do imóvel sempre esteve com o senhor Francisco Pedro Neto, até o dia de sua morte (25/06/2021), quando, então, por força do instituto da saisine, foi automaticamente transferida para sua única herdeira, a demandante MAXSYLIANA MURELLY DA SILVA.
O art. 1.210, do Código Civil, dispõe que: "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado".
Essa mesma regra foi reproduzida no art. 560, do CPC, que diz: "O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado em caso de esbulho".
Já o art. 561, do CPC, estabelece que: incumbe ao autor provar: I - a sua posse; II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu; III - a data da turbação ou do esbulho; IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.
No caso em disceptação, a autora comprovou que obteve a posse do imóvel, a partir da data do falecimento do seu genitor (25/06/2021), por força da saisine.
O esbulho restou caracterizado, a partir de quando o demandado se recusou a entregar as chaves do imóvel e do veículo deixados pelo de cujus, fato este que, pelo menos no que tange ao imóvel, foi confessado pelo réu.
Destarte, outro desfecho não vejo para o presente caso, que não seja acolher os pedidos feitos pela demandante.
DISPOSITIVO Isto posto, julgo procedente a pretensão autoral, para reintegrar a demandante na posse do imóvel e do veículo descritos e caracterizados na petição inicial, e, por conseguinte, extinguir o processo com resolução do mérito, nos termos do disposto no art. 487, I, do CPC.
Condeno o promovido ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixando estes em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidamente atualizado, à luz do disposto o art. 85, § 2º, do CPC.
Após o trânsito em julgado, intime-se o demandado para desocupar o imóvel e entregar as chaves do referido bem e do veículo à demandante, no prazo de 15 (quinze) dias.
Decorrido o prazo supra, se não ocorrer a desocupação voluntária, expeça-se mandado de reintegração de posse, a ser cumprido por dois Oficiais de Justiça, com o auxílio da Força Policial, se necessário.
Depois de tudo cumprido, arquivem-se os autos, com a baixa respectiva.
Publique-se e Intimem-se.
Mossoró/RN, 5 de dezembro de 2024.
MANOEL PADRE NETO Juiz(a) de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06)
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
14/03/2025
Ultima Atualização
26/05/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
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