TJRN - 0851635-21.2022.8.20.5001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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31/07/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0851635-21.2022.8.20.5001 Polo ativo MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Advogado(s): Polo passivo RICARDO JOSE SALUSTINO DE MEDEIROS Advogado(s): RILKE BARTH AMARAL DE ANDRADE Apelação Criminal n° 0851635-21.2022.8.20.5001.
Origem: Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN.
Apelante: Ministério Público.
Apelado: Ricardo Salustino de Medeiros.
Advogado: Dr.
Rilke Barth Amaral de Andrade (OAB/RN nº 8.237).
Relator: Desembargador Glauber Rêgo.
EMENTA: PENAL E TRIBUTÁRIO.
APELAÇÃO CRIMINAL.
CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ARTIGO 2º, INCISO II, DA LEI Nº 8.137/90).
APELAÇÃO ACUSATÓRIA.
PRETENSÃO DE CONDENAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAÇÃO NÃO COMPROVADO.
PALAVRA DO ACUSADO E TESTEMUNHAS EM CONSONÂNCIA.
JURISPRUDÊNCIA DO STF, STJ E DESTA CORTE.
APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. - “ (...) Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.” (RHC 163334, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-2) - Recurso conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO A Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à UNANIMIDADE de votos, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conheceu e negou provimento ao recurso, tudo nos termos do voto do relator, Desembargador GLAUBER RÊGO, sendo acompanhado pelos Desembargadores RICARDO PROCÓPIO (revisor) e SARAIVA SOBRINHO (vogal).
RELATÓRIO Trata-se de Apelação Criminal interposta pelo Ministério Público em face da Sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 5ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN (ID 25088300) que absolveu o acusado Ricardo José Salustino de Medeiros do crime disposto no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 (oito vezes), c/c art. 71 do Código Penal.
Nas razões recursais (ID 25088303), o apelante pugna pela condenação do acusado sob o fundamento de que a autoria e materialidade estão devidamente comprovadas, bem como o seu dolo específico.
Em sede de contrarrazões (ID 25088308), após rebater os fundamentos do recurso, a defesa de Ricardo José pugnou pelo conhecimento e desprovimento do apelo.
Por intermédio do parecer de ID 25351763, a 1ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento e provimento do recurso. É o relatório.
VOTO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente apelo.
Conforme relatado, o Ministério Público de primeiro grau requer a condenação do acusado pelo delito previsto no art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90 sob a alegação de suficiência probatória.
No entanto, após analisar detidamente todo o conteúdo probatório coligido nos autos, valorando-o conforme convicção própria, não consigo enxergar outra conclusão senão a adotada pelo Juízo de primeiro grau, considerando, inclusive, estreme de retoques a fundamentação utilizada na decisão monocrática.
Desta forma, a repetição dos fundamentos expostos na sentença, com outras palavras, isto é, com discurso próprio, importaria em irremediável tautologia, exsurgindo contraproducente frente aos princípios da eficiência e da celeridade processual, insculpidos na Carta Magna.
Portanto, tomo como próprios os fundamentos utilizados pelo Juízo a quo na sentença hostilizada, fazendo a transcrição das partes que interessam e se integram ao presente voto[1].
In verbis: “Adentrando ao mérito, pela prova dos autos, nada obstante provada a inadimplência tributária, a responsabilidade penal do acusado RICARDO JOSÉ SALUSTINO DE MEDEIROS não restou evidenciada, em razão de não haver demonstração cabal do dolo de apropriação por parte do mesmo.
Não há dúvida de que o acusado deixou de recolher, no prazo legal, valores de ICMS cobrados dos adquirentes de suas mercadorias e que deveriam ter sido recolhidos aos cofres públicos do Estado do Rio Grande do Norte.
Além disso, deixou de quitar o parcelamento firmado para o pagamento do débito, totalizando ao final um débito fiscal de R$ 195.382,50 (cento e noventa e cinco e mil, trezentos e oitenta e dois reais e cinquenta centavos), de acordo com o Termo de Baixa de Parcelamento (Id. 85555347 – Pág. 12).
Mas de tudo o que ficou provado nos autos, não restou demonstrado o dolo de apropriação, nos termos exigidos pela jurisprudência.
Com efeito, o acusado RICARDO JOSÉ SALUSTINO DE MEDEIROS prestou declarações na fase policial (Id. 85555347 – pág. 20) afirmando que é proprietário da empresa SALUSTINO REFEIÇÕES LTDA – ME, CNPJ nº 05.***.***/0001-73; que o estabelecimento da empresa ficava localizado na Avenida Engenheiro Roberto Freire, 3846, Ponta Negra, nesta Capital; que foi o responsável pela abertura da empresa no ano de 2007 e atualmente se encontra com suas atividades encerradas; que a empresa era do ramo de restaurantes e quem fazia a escrituração contábil e fiscal da empresa no período referido nesse inquérito era o contador RAMOS; que ele próprio fazia a gestão da empresa e tratava dos assuntos contábeis e fiscais com o contador; que com relação ao Parcelamento nº 00.***.***/0025-83/2020-26, afirma que o negociou na tentativa de quitar o ICMS não recolhido nos períodos de outubro a dezembro de 2019 e de janeiro a maio de 2020, porém, não logrou êxito em virtude da crise financeira que a empresa enfrentou, decorrente da Pandemia do COVID-19, quando a empresa teve que fechar seu estabelecimento; que, no momento, não tem condições de renegociar esse parcelamento, porém, aguarda algum programa de refinanciamento por parte do governo, para então negociar o pagamento.
No interrogatório judicial, o acusado RICARDO JOSÉ SALUSTINO DE MEDEIROS, afirma que desde 2011 desfez a sociedade com sua irmã e o administrador judicial passou 5 anos na empresa; que teve que adequar o restaurante a Covisa e acessibilidade; que teve que tomar dinheiro emprestado; que para continuar no mercado tiveram que fazer reformas; que após 5 anos reassumiram e tiveram que fazer um refis federal; que o movimento estava fraco e não tiveram condições de pagar; que depois veio a pandemia; que entrou com uma depressão e está até hoje com esse problema; que semana passada fez um parcelamento de débito e iniciaram as negociações; que o que não pagou do parcelamento é porque não tiveram condições de pagar; que a empresa está parada há 4 anos e o restaurante não pertence mais a empresa; que repassaram a empresa em troca dos débitos trabalhistas e com fornecedores; que não lembra precisamente do refis que é referido na denúncia; que não conseguia pagar todas as despesas com o que arrecadava; que chegou a fazer empréstimo para pagar refis, ficando devendo ao banco mas pagou impostos; que mesmo atrasado, mas pagava os impostos; que é verdadeiro que deixou de pagar impostos, embora tenha perdido a noção.
O depoimento do acusado indica as enormes dificuldades financeiras pelas quais passou sua empresa - a empresa está parada há 4 anos e o restaurante não pertence mais a empresa -; reconhece que não conseguiu honrar com suas obrigações tributárias, dentre outras - o movimento estava fraco e não tiveram condições de pagar; que depois veio a pandemia e é verdadeiro que deixou de pagar impostos -; alega que tentou solucionar o problema financeiro, inclusive com desfazimento do patrimônio da empresa - repassaram a empresa em troca dos débitos trabalhistas e com fornecedores -; e tentaram pagar os impostos devidos - chegou a fazer empréstimo para pagar refis, ficando devendo ao banco mas pagou impostos; que mesmo atrasado, mas pagava os impostos -, situações fáticas que não foram contestadas ou afrontadas por qualquer outra prova produzida.
Já o contexto probatório, notadamente a prova testemunhal, confirma as dificuldades financeiras pelas quais a empresa passou nos últimos 5 ou 6 anos e a tentativa do acusado de solucionar a crise vivenciada.
RODRIGO SOARES ALADIM DE ARAÚJO (contador), afirma que não era contador da empresa neste período; que a empresa somente foi para o escritório em outubro de 2020; que não tem conhecimento dos valores devidos; que no período em que presta serviços a empresa a mesma já estava parada; que já veio para ele para resolver a parte fiscal; que o acusado vendeu toda a operação para outra pessoa; que é a empresa que está parada e não o Restaurante Pinga Fogo, que não é mais do acusado; que exceto na época da pandemia o restaurante sempre funcionou, mas com outra administração; que não sabe os motivos pelos quais a empresa não recolheu os seus impostos; que o acusado tem outras dívidas com bancos e familiares, inclusive com processos na Justiça; que ocorreram brigas familiares e faz muitos anos; que isso foi antes de 2019 embora não possa afirmar com certeza.
A testemunha RODRIGO confirma os problemas financeiros, sendo relevante a afirmativa de que a empresa foi para o escritório em outubro de 2020, quando já estava parada e que já veio para ele para resolver a parte fiscal, o que demonstra que, mesmo parada e devendo, o acusado teve nítida intenção de solucionar a inadimplência tributária.
De fato, dois meses depois, em dezembro de 2020, foi realizado o Parcelamento nº 00.***.***/0025-83/2020-26 quanto ao ICMS não recolhido, entre os períodos de outubro a dezembro de 2019 e de janeiro a maio de 2020.
Também confirma que o acusado vendeu toda a operação para outra pessoa, ou seja, teve que se desfazer do patrimônio.
Já ALCEBÍADES LAURENTINO RAMOS, afirma que é contador e que no caso do acusado tudo foi informado via sistema; que sonegar é não informar para não pagar, o que difere de não pagamento do que foi informado; que ao tempo era contador do acusado e estava com muitos problemas financeiros; que não é mais contador do acusado; que a empresa existe há muitos anos e é conceituada no mercado; que a dificuldade veio nos últimos 5 ou 6 anos; que o restaurante principal do acusado é o Pinga Fogo e vive de turismo que, na pandemia, teve muitas dificuldades; que a informação para o Fisco Estadual é através da GIM; que o acusado estava com problemas judiciais com a irmã em razão da saída da mesma da sociedade; que no período de 2019 e 2020 Ricardo era o administrador da empresa e não o interventor; que no período em que trabalhou na empresa o acusado era o gestor da empresa.
Observe-se que a testemunha ALCEBÍADES, que bem conhecia a situação em razão de ser o contador da empresa ao tempo dos fatos, confirma os problemas financeiros da mesma, notadamente do restaurante principal da empresa (PingaFogo), notadamente nos últimos 5 ou 6 anos, exatamente quando ocorreram os problemas tributários, além da saída da irmã da sociedade, o que contribuiria para agravar a situação.
Há de se considerar, outrossim, a alegação de agravamento dos problemas financeiros com a situação decorrente da pandemia do COVID19.
Quanto a este aspecto, é verdade que os fatos supostamente delitivos, com o não recolhimento dos tributos, ocorreram entre os meses de outubro de 2019 a abril de 2020, período esse ainda sem relação com os efeitos decorrentes da Pandemia no país, já que somente nos meses finais deste período é que a pandemia efetivamente se instalou no Brasil.
Ocorre que tais débitos tributários foram objeto do Parcelamento nº 00.***.***/0025-83/2020-26, ocorrido em Dezembro de 2020, e o seu inadimplemento nos meses subsequentes, quando o país já havia praticamente parado, com redução drástica de toda atividade econômica e inafastáveis dificuldades financeiras e, mais ainda, agravamento de tais dificuldades para quem já as enfrentava.
Vislumbra-se, pois, a partir da prova produzida, efetiva situação que poderia justificar a inadimplência tributária do acusado sem necessariamente ter havido dolo de apropriação, sendo este o contexto que se pode extrair da prova produzida em Juízo.
Em contrapartida, não houve produção de prova em sentido contrário, que desautorize essa presunção decorrente do que restou provado nos autos.
Diante de tal situação, portanto, não vislumbro demonstrado o dolo de apropriação, já que o que emana da prova produzida é a inadimplência das obrigações tributárias em decorrência de enormes dificuldades financeiras pelas quais passou a empresa do acusado, que resultou na paralisação da empresa, na venda do Restaurante Pinga Fogo, sua operação principal e, claro, na inadimplência das obrigações tributárias.
A prova é, pois, indicativa de que as obrigações tributárias não foram honradas em razão das dificuldades financeiras e não da simples intenção do acusado de se apropriar dos tributos que deveria recolher aos cofres públicos.
Aliás, observam-se atos do acusado no sentido de encontrar solução para a situação, parcelando os débitos em um primeiro momento e, na sequência, se desfazendo de parte do seu negócio para que o novo proprietário assumisse dívidas outras, o que é forte indicativo de que o descumprimento das obrigações tributárias não se deu com intuito de apropriação.
Nesse contexto, por nenhum dos parâmetros de apuração indicados na Decisão do Supremo Tribunal Federal e acima já examinados, encontraremos elementos configuradores do dolo de apropriação.
Com efeito, não houve inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, já que há demonstração de busca do acusado, seja pelo parcelamento, seja pela venda de operações da empresa, seja pela procura de profissionais específicos, para tentar a regularização de suas dívidas, notadamente a tributária.
Também não há qualquer demonstração, sequer alegação, de que ocorreu a venda de produtos abaixo do preço de custo ou de criação de obstáculos à fiscalização.
Não há a utilização de “laranjas” no quadro societário, tendo o sócio da empresa inclusive assumido as dívidas perante o Fisco e reconhecido as mesmas em Juízo.
Igualmente não ocorreu o encerramento irregular das suas atividades, já que a empresa ainda existe.
Por fim, não restou demonstrada a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado.
Por qualquer parâmetro que se examine, portanto, dentre todos aqueles que se pode extrair da Decisão do Supremo Tribunal Federal – e que aqui adoto por reputar corretos –, não se observa haver demonstração do acusado ter agido com dolo de apropriação, comprovação esta que recai sobre a acusação.
Registro, por fim, que a ausência de responsabilidade penal, em razão da não comprovação do dolo de apropriação, não afasta nem elimina o fato de que deixou o acusado de recolher, no prazo legal, valores de ICMS que deveriam ter sido recolhidos aos cofres públicos do Estado do Rio Grande do Norte, assim como também deixou de quitar o parcelamento firmado para o pagamento do débito, totalizando ao final um débito fiscal de R$ 195.382,50 (cento e noventa e cinco e mil, trezentos e oitenta e dois reais e cinquenta centavos), de acordo com o Termo de Baixa de Parcelamento (Id. 85555347 – Pág. 12). valores estes que podem e devem ser cobrados pelas vias e instrumentos legais disponíveis ao Fisco, já que questão de natureza cível e tributária.
O que aqui se está decidindo é que tal questão, por ausência de comprovação do dolo de apropriação, não ultrapassa o limite da esfera cível e, portanto, não recebe guarida do Direito Penal, de tal forma que a conduta do acusado, ainda que responsável pela inadimplência, não se insere no tipo penal em exame (art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.137/90).” (ID 25088300 – Págs. 12 a 15).
Grifos acrescidos.
De mais a mais, imperioso se faz esclarecer, mormente por questão de segurança jurídica, que o conceito de sonegação fiscal da Lei 8.137 de 1990 abrange vários incisos e artigos diferentes, de modo que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça elencam dolo e requisitos diversos, a certo modo, para cada um deles.
Dito isto, saliento que o presente caso trata-se do art. 2º, II, c/c art. 11 da Lei nº 8.137/90 que assim determina: “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: (...) II - deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos;” No entanto, para este crime em especial, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento que para a sua caracterização necessário se faz que haja a comprovação de que o contribuinte o faz de forma contumaz e com o dolo específico de apropriação.
Vejamos: “EMENTA: Direito penal.
Recurso em Habeas Corpus.
Não recolhimento do valor de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço.
Tipicidade. 1.
O contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. 2.
Em primeiro lugar, uma interpretação semântica e sistemática da regra penal indica a adequação típica da conduta, pois a lei não faz diferenciação entre as espécies de sujeitos passivos tributários, exigindo apenas a cobrança do valor do tributo seguida da falta de seu recolhimento aos cofres públicos. 3.
Em segundo lugar, uma interpretação histórica, a partir dos trabalhos legislativos, demonstra a intenção do Congresso Nacional de tipificar a conduta.
De igual modo, do ponto de vista do direito comparado, constatase não se tratar de excentricidade brasileira, pois se encontram tipos penais assemelhados em países como Itália, Portugal e EUA. 4.
Em terceiro lugar, uma interpretação teleológica voltada à proteção da ordem tributária e uma interpretação atenta às consequências da decisão conduzem ao reconhecimento da tipicidade da conduta.
Por um lado, a apropriação indébita do ICMS, o tributo mais sonegado do País, gera graves danos ao erário e à livre concorrência.
Por outro lado, é virtualmente impossível que alguém seja preso por esse delito. 5.
Impõe-se, porém, uma interpretação restritiva do tipo, de modo que somente se considera criminosa a inadimplência sistemática, contumaz, verdadeiro modus operandi do empresário, seja para enriquecimento ilícito, para lesar a concorrência ou para financiar as próprias atividades. 6.
A caracterização do crime depende da demonstração do dolo de apropriação, a ser apurado a partir de circunstâncias objetivas factuais, tais como o inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização dos débitos, a venda de produtos abaixo do preço de custo, a criação de obstáculos à fiscalização, a utilização de “laranjas” no quadro societário, a falta de tentativa de regularização dos débitos, o encerramento irregular das suas atividades, a existência de débitos inscritos em dívida ativa em valor superior ao capital social integralizado etc. 7.
Recurso desprovido. 8.
Fixação da seguinte tese: O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990. (RHC 163334, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-2) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
PENAL.
DELITO DO ART. 2.º, INCISO II, DA LEI N. 8.137/1990.
DOLO GENÉRICO.
INSUFICIÊNCIA.
ATIPICIDADE DA CONDUTA.
AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1.
O entendimento jurisprudencial predominante no Superior Tribunal de Justiça era de que o dolo genérico, demonstrado pelo inadimplemento da obrigação tributária, seria suficiente para configurar o crime do art. 2.º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990.
Mas, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o referido delito, concluiu que a sua consumação exigia a presença do dolo específico de apropriação, motivo pelo qual esta Corte Superior modificou a sua jurisprudência, adaptando-a à orientação do Pretório Excelso. 2.
Evidenciado pela Corte local apenas dolo genérico, a sentença de rejeição da denúncia deve ser restabelecida. 3.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 1.848.690/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 2/2/2023.) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL.
ART. 2º, II, DA LEI 8.137/1990.
AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO DE DOLO ESPECÍFICO NA ORIGEM.
ABSOLVIÇÃO RECONHECIDA.
ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 1.
Consoante o entendimento do Supremo Tribunal Federal, "o contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990" (RHC 163.334/SC, Rel.
Ministro ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 18/12/2019, DJe 12/11/2020). 2.
Considerando que no acórdão recorrido apenas evidenciou o dolo genérico, sem, contudo, apontar o dolo de apropriação, deve ser reconhecida a absolvição (AgRg no REsp 1943290/SC, Rel.
Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2021, DJe 04/10/2021). 3.
Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, a fim de reconhecer a absolvição do agravante do crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990 (art. 386, VII - CPP). (EDcl no AgRg no REsp n. 1.969.886/SC, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 16/9/2022.) Dessa forma, como brilhantemente consignou o juízo sentenciante, verifico que a acusação não logrou êxito em comprovar o dolo específico de apropriação por parte do acusado que fosse capaz de condená-lo pelo crime imputado na denúncia, sobretudo porque restou claro a sua boa-fé em tentar adimplir o seu débito quando fez o parcelamento, não conseguindo concluí-lo por circunstâncias alheias à sua vontade (dificuldades financeiras), sendo, inclusive, plenamente justificável em razão de o não recolhimento do ICMS ter ocorrido justamente nos períodos de outubro a dezembro de 2019 e de janeiro a maio de 2020, quando a pandemia do COVID 19 se instalava, o que só corrobora a plausibilidade de seu depoimento e das demais testemunhas.
Somando-se a isso, convém destacar, uma vez mais, que o restaurante Pinga Fogo não faz mais parte de sua empresa, a qual está parada há mais de 04 (quatro) anos.
Aliás, tal repasse foi feito justamente com o intuito de se evitar que os encargos trabalhistas e os seus fornecedores não fossem pagos.
Ademais, as palavras do apelado foram plenamente corroboradas pelas demais testemunhas, Rodrigo Soares Aladim de Araújo e Alcebíades Laurentino Ramos, ambos contadores, quando afirmam em audiência (ID’s 25088274 e 25088273, respectivamente), de forma firme e uníssona, que o acusado teve dificuldades nos últimos 5 e 6 anos, especialmente durante a pandemia, quando fez o parcelamento (Dezembro de 2020), período este em que todo o comércio brasileiro já estava paralisado.
Afirmaram, ainda, que em razão de tais dificuldades financeiras e dissolução da sociedade que tinha com sua irmã, vendeu toda a operação para outra pessoa, tendo que se desfazer de seu patrimônio.
Assim, verifico que o que se tem de prova nos autos é que as obrigações tributárias, de fato, não foram cumpridas, mas não em razão de o apelado ter a intenção de se apropriar de tais tributos (dolo de apropriação), mas sim por ocasião da sua grave situação financeira, mormente por ter restado claro que, de início, ele tentou adimplir com o seu débito fazendo o parcelamento e a partir do momento que viu que não conseguiria lograr êxito, se desfez do seu principal patrimônio para que o novo dono assumisse as responsabilidades que não podia arcar como, por exemplo, os débitos trabalhistas e com fornecedores.
Ora, não seria razoável crer que uma pessoa com dolo de se apropriar de tributos ou até mesmo de ludibriar o fisco, tenha se desfeito de uma empresa sólida, a longo tempo no mercado, em razão de um débito de R$ R$ 195.382,50 (cento e noventa e cinco e mil, trezentos e oitenta e dois reais e cinquenta centavos).
Nessa mesma linha de raciocínio já decidiu esta Colenda Câmara Criminal.
Vejamos: EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
APCRIM.
APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA (ART. 2º, II DA LEI 8.137/1990).
DECRETO PUNITIVO.
SÚPLICA ABSOLUTÓRIA POR AUSÊNCIA DE DOLO.
ACERVO INAPTO A REVELAR MINIMAMENTE O ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO.
HIPÓTESE DE MANIFESTA IMPROCEDÊNCIA DA PERSECUTIO.
PRECEDENTES DO STF, STJ E DO TJRN.
DECISUM REFORMADO.
CONHECIMENTO E PROVIMENTO. (APELAÇÃO CRIMINAL, 0817185-86.2021.8.20.5001, Des.
Saraiva Sobrinho, Câmara Criminal, JULGADO em 16/05/2024, PUBLICADO em 16/05/2024).
Grifei.
EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA.
CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA (ART. 2º, II, DA LEI Nº 8.137/1990).
APELAÇÃO DA DEFESA.
PRETENSA ABSOLVIÇÃO.
ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA.
POSSIBILIDADE.
CONJUNTO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA CONFIGURAR A CONDUTA TÍPICA.
NECESSÁRIA DEMONSTRAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO NA CONDUTA DO AGENTE.
PRECEDENTE DO TJRN.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (APELAÇÃO CRIMINAL, 0809534-42.2022.8.20.5106, Des.
Gilson Barbosa (Juiz Convocado Ricardo Tinoco), Câmara Criminal, JULGADO em 08/04/2024, PUBLICADO em 11/04/2024).
Grifei.
Por fim, não é demais dizer que a seara criminal é a última ratio, devendo se imiscuir nos atos mais reprováveis pela sociedade, não sendo uma má administração motivo para uma condenação, sobretudo quando o dolo exigido no delito não restou comprovado, sem prejuízo que o fisco busque meios necessários para o adimplemento de tais débitos.
Portanto, tendo em vista que não restou caracterizado o dolo específico de apropriação, entendo que a manutenção de sua absolvição é medida impositiva.
Diante do exposto, em dissonância com o parecer da 1ª Procuradoria de Justiça, conheço e nego provimento ao apelo, mantendo a sentença hostilizada em todas as suas disposições, nos termos do voto acima. É como voto.
Natal/RN, data da assinatura no sistema.
Desembargador Glauber Rêgo Relator [1] “3. ‘É válida a utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, desde que a matéria haja sido abordada pelo órgão julgador, com a menção a argumentos próprios’ [...]” (HC 597.803/CE, Rel.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2020, DJe 18/12/2020).
Natal/RN, 29 de Julho de 2024. -
11/07/2024 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Câmara Criminal Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0851635-21.2022.8.20.5001, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 29-07-2024 às 08:00, a ser realizada no Sala de Sessão da Câmara Criminal.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 10 de julho de 2024. -
26/06/2024 14:43
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Ricardo Procópio na Câmara Criminal
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18/06/2024 22:26
Conclusos para julgamento
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18/06/2024 12:15
Juntada de Petição de parecer
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13/06/2024 14:40
Expedição de Outros documentos.
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13/06/2024 14:38
Juntada de termo
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07/06/2024 15:46
Proferido despacho de mero expediente
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03/06/2024 12:55
Recebidos os autos
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03/06/2024 12:55
Conclusos para despacho
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03/06/2024 12:55
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
03/06/2024
Ultima Atualização
30/07/2024
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
ACÓRDÃO • Arquivo
ACÓRDÃO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
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