TJRN - 0815565-39.2021.8.20.5001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Glauber Rego
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
24/06/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE CÂMARA CRIMINAL Processo: APELAÇÃO CRIMINAL - 0815565-39.2021.8.20.5001 Polo ativo JEAN DE LIRA RODRIGUES Advogado(s): Polo passivo MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Advogado(s): Apelação Criminal n° 0815565-39.2021.8.20.5001 Origem: Juízo da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN Apelante: Jean de Lira Rodrigues Representante: Defensoria Pública Apelado: Ministério Público.
Relator: Desembargador Glauber Rêgo.
Ementa: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
APELAÇÃO CRIMINAL.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
LESÃO CORPORAL TENTADA.
AMEAÇA.
INJÚRIA QUALIFICADA.
RELEVÂNCIA DA PALAVRA DA VÍTIMA.
POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO MESMO COM PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO MINISTERIAL.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação criminal interposta por réu condenado pelos crimes de tentativa de lesão corporal no contexto de violência doméstica (art. 129, §9º c/c art. 14, II, do CP), injúria qualificada (art. 140, §3º do CP) e ameaça (art. 147 do CP), em concurso material (art. 69 do CP).
O apelante pleiteia absolvição por ausência de autoria, de dolo e por eventual exclusão da culpabilidade, sob alegação de uso de entorpecentes.
Requereu, ainda, a concessão da gratuidade da justiça.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
Há duas questões em discussão: (i) definir se é possível o conhecimento do recurso quanto ao pedido de justiça gratuita; (ii) estabelecer se o conjunto probatório autoriza a manutenção da condenação do réu pelos delitos imputados, mesmo diante do pedido absolutório do Ministério Público em alegações finais.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
O pedido de concessão da justiça gratuita refere-se à execução da pena, devendo ser formulado ao Juízo das Execuções, sendo incabível sua apreciação na instância recursal criminal, conforme precedentes da Câmara Criminal. 4.
A prova dos autos é robusta e harmônica quanto à materialidade e autoria dos delitos imputados, com destaque para o depoimento da vítima — pai do acusado — corroborado por laudos periciais, boletins médicos e declarações colhidas na fase inquisitorial. 5.
Em crimes praticados no contexto de violência doméstica, a palavra da vítima possui especial relevância, sobretudo quando amparada por outros elementos de prova, como reconhecido pela jurisprudência consolidada do STJ e do TJRN. 6.
A condenação do réu pelo crime de tentativa de lesão corporal é juridicamente possível, mesmo diante de pedido de absolvição formulado pelo Ministério Público nas alegações finais, conforme autorizado pelo art. 385 do CPP, sem violar o sistema acusatório. 7.
As condutas referentes à injúria e à ameaça foram devidamente comprovadas, sendo inverossímeis as alegações defensivas quanto à ausência de dolo ou de ânimo injuriante. 8.
A alegação de embriaguez ou uso de substâncias entorpecentes como causa de exclusão da culpabilidade não encontra respaldo probatório, não se demonstrando, ademais, estado de inimputabilidade penal.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 9.
Recurso parcialmente conhecido e, na parte conhecida, desprovido.
Tese de julgamento: 10.
O pedido de justiça gratuita em ação penal condenatória deve ser dirigido ao Juízo da Execução Penal, não sendo cabível sua apreciação em sede de apelação criminal. 11.
A palavra da vítima, quando coerente e corroborada por outros elementos de prova, possui especial valor probatório em crimes praticados no âmbito de violência doméstica. 12. É possível a condenação do réu, com base no art. 385 do CPP, mesmo quando o Ministério Público opina pela absolvição em alegações finais, desde que presentes provas suficientes de autoria e materialidade.
Dispositivos relevantes citados: CP, arts. 14, II; 69; 129, §9º; 140, §3º; 147; CPP, arts. 385, 5º, XXXV; LINDB, art. 2º, §1º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp nº 2.262.678/DF, rel.
Min.
Jesuíno Rissato, Sexta Turma, j. 16.05.2023, DJe 19.05.2023; STJ, REsp nº 2.022.413/PA, rel.
Min.
Sebastião Reis Júnior, rel. p/ acórdão Min.
Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 14.02.2023, DJe 07.03.2023; TJRN, ApCrim nº 0100235-78.2017.8.20.0120, rel.
Des.
Glauber Rêgo, j. 04.03.2021; TJRN, ApCrim nº 0105652-73.2020.8.20.0001, rel.
Des.
Gilson Barbosa (Juiz Conv.
Ricardo Tinoco), j. 08.04.2024.
ACÓRDÃO A Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, à UNANIMIDADE de votos, em consonância com o parecer da 3ª Procuradoria de Justiça, conheceu parcialmente do recurso e nessa extensão negou-lhe provimento, restando inalterada a sentença, tudo nos termos do voto do Relator, Desembargador GLAUBER RÊGO, sendo acompanhado pelos Desembargadores RICARDO PROCÓPIO (Revisor) e SARAIVA SOBRINHO (Vogal).
RELATÓRIO Trata-se de apelação criminal interposta por Jean de Lira Rodrigues em face de sentença proferida pelo Juízo da 8ª Vara Criminal da Comarca de Natal, que condenou o réu pela prática dos crimes previstos nos artigos 129, §9º, na forma tentada, 140, §3º e 147, todos do Código Penal, havidos na forma do artigo 69 do mesmo diploma legal, às penas de 01 (um) ano, 10 (dez) meses e 06 (seis) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 05 (cinco) meses e 27 (vinte e sete) dias de detenção, em regime inicial semiaberto, além de 25 (vinte e cinco) dias-multa (Id. 31182118).
Nas razões recursais (Id. 31182133), o apelante sustenta: (a) ausência de provas quanto ao dolo específico para a prática dos crimes de injúria qualificada e ameaça; (b) aplicação do princípio do in dubio pro reo para absolvição.
Em contrarrazões (Id. 31182139), o Ministério Público pugnou pelo desprovimento do recurso, argumentando que a autoria e a materialidade dos crimes de injúria qualificada e ameaça estão devidamente comprovadas nos autos, sendo lídima a manutenção da sentença condenatória.
Instada a se manifestar, a 3ª Procuradoria de Justiça opinou pelo conhecimento parcial e desprovimento do recurso, destacando que as matérias recursais foram integralmente apreciadas na sentença, tornando prescindível manifestação expressa acerca dos dispositivos legais mencionados para fins de prequestionamento (Id. 31352664). É o relatório.
Ao Eminente Revisor.
VOTO PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO QUANTO À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA, SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA.
O Apelante pugnou pela concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, matéria de competência do Juízo da Execução Penal.
São nesses termos os precedentes desta Câmara Criminal: "EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
SENTENÇA CONDENATÓRIA.
POSSE IRREGULAR DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO - ART. 12 DA LEI N. 10.826/2003.
APELAÇÃO DEFENSIVA.
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA.
ACOLHIMENTO.
PEDIDOS DE CONCESSÃO DE JUSTIÇA GRATUITA E ISENÇÃO DA PENA DE MULTA.
MATÉRIAS ATINENTES AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES.
RECURSO NÃO CONHECIDO." (APELAÇÃO CRIMINAL, 0105652-73.2020.8.20.0001, Des.
Gilson Barbosa (Juiz Convocado Ricardo Tinoco), Câmara Criminal, JULGADO em 08/04/2024, PUBLICADO em 11/04/2024). "EMENTA: PENAL.
APCRIM.
TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 DA LEI 11.343/06).
PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DOS PEDIDOS DE REDUÇÃO DA PENA DE MULTA E DE JUSTIÇA GRATUITA, SUSCITADA PELA PJ.
EXAME AFETO AO JUÍZO EXECUTÓRIO.
ACOLHIMENTO.
MÉRITO.
EXCESSO NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA.
INCREMENTO PELA QUANTIDADE DIFERENCIADA DE DROGAS.
DESBORDAMENTO DO HABITUAL AO TIPO.
REFLEXO DO PREPONDERANTE ART. 42 LD.
ACRÉSCIMO APLICADO COM BENEVOLÊNCIA.
DESCABIMENTO DO AJUSTE.
DEFERIMENTO DO PRIVILÉGIO (ART. 33, §4º DA LD).
REINCIDÊNCIA CONSTATADA. ÓBICE INSTRANSPONÍVEL A BENESSE.
DESNECESSIDADE DA REITERAÇÃO ESPECÍFICA.
DESCABIMENTO.
REVOGATÓRIA DA PREVENTIVA.
DECRETO PRISIONAL LASTREADO NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.
RISCO DE RENITÊNCIA DELITIVA.
CONTEMPORANEIDADE DOS REQUISITOS.
REJEIÇÃO.
DECISUM MANTIDO.
PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO." (APELAÇÃO CRIMINAL, 0801377-51.2020.8.20.5300, Des.
Saraiva Sobrinho, Câmara Criminal, JULGADO em 28/09/2021, PUBLICADO em 28/09/2021).
Assim, deixo de conhecer, neste aspecto, do recurso. É como voto.
MÉRITO Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço do presente recurso quanto aos demais pedidos.
Após analisar detidamente o feito, não observo como podem prosperar os pleitos formulados pelo apelante.
A defesa busca a absolvição do réu pelos crimes previstos no art. 129, §9º c/c art. 14, II; art. 140, §3º; e art. 147, todos do Código Penal, em concurso material (art. 69, CP), sob os argumentos de ausência de provas quanto à autoria delitiva, ausência de dolo específico e suposta desproporcionalidade da condenação.
Aduz, ainda, que o apelante estaria sob o efeito de entorpecentes à época dos fatos, o que deveria ser considerado para fins de exclusão da culpabilidade.
As provas coligidas nos autos demonstram, com robustez, a materialidade e autoria dos delitos imputados.
O conjunto probatório é coeso e harmônico, especialmente as declarações firmes e coerentes da vítima, o Sr.
José Rodrigues Sobrinho, corroboradas por boletim de ocorrência, laudos periciais (ITEP) e documentos médicos (Boletim de Atendimento de Urgência), que atestam escoriações e traumas físicos sofridos pelo ofendido em decorrência das ações violentas de seu filho.
Com efeito, a jurisprudência consolidada, tanto do Superior Tribunal de Justiça quanto do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte, é pacífica no sentido de que, em delitos praticados no âmbito doméstico e familiar, a palavra da vítima reveste-se de especial relevância, mormente quando corroborada por outros elementos de prova, como é o caso: "PENAL E PROCESSO PENAL.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.
CRIME DE AMEAÇA.
PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
NECESSIDADE DE REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. 1. É pacífico na jurisprudência desta Corte Superior que a palavra da vítima, em harmonia com os demais elementos contidos nos autos, possui relevante valor em termos de provas, sobretudo no tocante aos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher. 2.
Na espécie, o recorrente foi condenado pelo crime de ameaça praticado contra a ex-esposa, sendo que o Tribunal a quo demonstrou haver provas suficientes para lastrear o édito condenatório, notadamente as declarações da vítima e da testemunha, colhidas na fase inquisitorial e confirmadas em juízo, sob o crivo do contraditório. 3.
Modificar o entendimento do Tribunal de origem no intuito de absolver o agravante por atipicidade formal e insuficiência probatória demandaria inevitavelmente o reexame dos elementos fático-probatórios, medida vedada em recurso especial, de acordo com a Súmula n. 7 do STJ. 4.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.262.678/DF, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 16/5/2023, DJe de 19/5/2023.) Grifei". "EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL.
LESÃO CORPORAL EM CONTEXTO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AMEAÇA.
PRETENSA ABSOLVIÇÃO.
NÃO ACOLHIMENTO.
MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS.
FORTE ACERVO PROBATÓRIO QUE SUSTENTA A CONDENAÇÃO DO RECORRENTE.
PALAVRA DA VÍTIMA QUE EM CRIMES DESTA NATUREZA ASSUME ESPECIAL RELEVÂNCIA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CRIMINAL, 0100235-78.2017.8.20.0120, Des.
Glauber Rêgo, Câmara Criminal, JULGADO em 04/03/2021, PUBLICADO em 04/03/2021) Grifei".
Dessa forma, e retomando a análise do presente caso, observa-se que a versão apresentada pela vítima não está isolada, mas, ao contrário, encontra respaldo no depoimento prestado por Maria Letice de Lira Rodrigues — esposa da vítima e mãe do acusado.
Embora tenha relatado em juízo que não se lembra dos acontecimentos em razão de um AVC e que não esteve na delegacia à época dos fatos (ID 31182110), em sua declaração na fase policial ela confirmou a existência da discussão descrita na denúncia entre o acusado e a vítima, acrescentando que seu filho lançou um pedaço de tijolo na direção da vítima, o que ocasionou sua queda ao tentar se defender.
Importa destacar, ademais, que mesmo tendo o Ministério Público, em sede de alegações finais, pleiteado a absolvição quanto ao crime de lesão corporal, o magistrado sentenciante, com respaldo no art. 385 do Código de Processo Penal, proferiu condenação, sob o fundamento de que restaram demonstradas as circunstâncias do dolo e a tentativa delitiva — sendo o resultado não atingido por circunstância alheia à vontade do agente.
Tal entendimento, reitere-se, encontra arrimo na jurisprudência do STF e do STJ, que reconhecem a possibilidade de sentença condenatória mesmo diante de pedido absolutório ministerial.
Nesse sentido: “RECURSO ESPECIAL.
CONCUSSÃO.
ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 938 E 939 DO CPC.
NÃO CONHECIMENTO.
FALTA DE PREQUESTIONAMENTO E FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE.
SÚMULAS N. 282 E 284 DO STF.
ART. 157 DO CPP.
PRINCÍPIO DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO.
NÃO VIOLAÇÃO.
PRINTS DE WHATSAPP JUNTADOS PELA PRÓPRIA DEFESA TÉCNICA EM PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR CORRELATO.
PROVA LÍCITA.
ART. 385 DO CPP.
DECISÃO CONDENATÓRIA A DESPEITO DO PEDIDO ABSOLUTÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM ALEGAÇÕES FINAIS.
POSSIBILIDADE.
COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA ACUSATÓRIO.
ARTS. 3º-A DO CPP E 2º, § 1º, DA LINDB.
NÃO VIOLAÇÃO.
AUSÊNCIA DE DERROGAÇÃO TÁCITA DO ART. 385 DO CPP.
ARTS. 316 DO CP E 386, I, DO CPP.
ABSOLVIÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE.
ALTERAÇÃO DAS PREMISSAS FÁTICAS.
NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
SÚMULA N. 7 DO STJ.
ART. 155 DO CPP.
NÃO VIOLAÇÃO.
EXISTÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS.
RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. (...) 3.
Conforme dispõe o art. 385 do Código de Processo Penal, é possível que o juiz condene o réu ainda que o Ministério Público peça a absolvição do acusado em alegações finais.
Esse dispositivo legal está em consonância com o sistema acusatório adotado no Brasil e não foi tacitamente derrogado pelo advento da Lei n. 13.964/2019, que introduziu o art. 3º-A no Código de Processo Penal. 3.1.
O sistema processual penal brasileiro - em contraposição ao antigo modelo inquisitivo - é caracterizado, a partir da Constituição Federal de 1988, como acusatório, e não se confunde com o adversarial system, de matriz anglo-saxônica. É preciso louvar os benefícios que decorrem da adoção do processo com estrutura acusatória - grande conquista de nosso sistema pós-Constituição de 1988 e reforçado pelo novel art. 3º-A do CPP - sem, todavia, cair no equívoco de desconsiderar que o processo penal, concebido e mantido acima de tudo para proteger o investigado/réu contra eventuais abusos do Estado em sua atividade persecutória e punitiva, também tutela outros interesses, igualmente legítimos, como o da proteção da vítima e, mediatamente, da sociedade em geral.
Ao Estado tanto interessa punir os culpados quanto proteger os inocentes, o que faz por meio de uma jurisdição assentada em valores indissociáveis, ainda que não absolutos, tais quais a verdade e a justiça. 3.2.
Não obstante a proclamada adoção no Brasil de um processo com estrutura acusatória, a praxe judiciária tem agasalhado diversas situações em que se realizam atividades judiciais com inclinação inquisitorial.
Em verdade, como bem observam Andrea Dalia e Marzia Ferraioli, "mais do que de sistema inquisitorial ou de sistema acusatório, com referência à legislação processual penal moderna, é mais usual falar de modelos com tendência acusatória ou de formato inquisitorial" (DALIA, Andrea; FERRAIOLI, Marzia.
Manuale di Diritto Processual Penale. 5 ed.
Milão: 2003, p. 27, trad. livre). 3.3.
O Ministério Público, instituição a que o Constituinte de 1988 incumbiu, privativamente, de promover a ação penal pública (art. 129, I, da Constituição Federal), tem o dever de deduzir, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, a pretensão punitiva estatal, compromissado com a descoberta da verdade e a realização da justiça.
Ao contrário de outros sistemas - em que o Ministério Público dispõe da ação penal por critérios de discricionariedade -, no processo penal brasileiro o Promotor de Justiça não pode abrir mão do dever de conduzir a actio penalis até seu desfecho, quer para a realização da pretensão punitiva, quer para, se for o caso, postular a absolvição do acusado, hipótese que não obriga o juiz natural da causa, consoante disposto no art. 385 do Código de Processo Penal, a atender ao pleito ministerial. 3.4.
Deveras, o art. 385 do Código de Processo Penal prevê que, quando o Ministério Público pede a absolvição do acusado, ainda assim o juiz está autorizado a condená-lo, dada, também aqui, sob a ótica do Poder Judiciário, a soberania do ato de julgar. 3.5.
Quando o Parquet pede a absolvição de um réu, não há, ineludivelmente, abandono ou disponibilidade da ação (Art. 42 do CPP), como faz o promotor norte-americano, que simplesmente retira a acusação (decision on prosecution motion to withdraw counts) e vincula o posicionamento do juiz.
No sistema pátrio, é vedada similar iniciativa do órgão de acusação, em face do dever jurídico de promover a ação penal e de conduzi-la até o seu desfecho, mesmo que, eventualmente, possa o agente ministerial posicionar-se de maneira diferente - ou mesmo oposta - à do colega que, na denúncia, postulara a condenação do imputado. (...) 3.7.
As posições contingencialmente adotadas pelos representantes do Ministério Público no curso de um processo não eliminam o conflito que está imanente, permanente, na persecução penal, que é o conflito entre o interesse punitivo do Estado, representado pelo Parquet, Estado-acusador, e o interesse de proteção à liberdade do indivíduo acusado, ambos sob a responsabilidade do órgão incumbido da soberana função de julgar, por meio de quem, sopesadas as alegações e as provas produzidas sob o contraditório judicial, o Direito se expressa concretamente. 3.8.
Portanto, mesmo que o órgão ministerial, em alegações finais, não haja pedido a condenação do acusado, ainda assim remanesce presente a pretensão acusatória formulada no início da persecução penal - pautada pelos princípios da obrigatoriedade, da indisponibilidade e pelo caráter publicista do processo -, a qual é julgada pelo Estado-juiz, mediante seu soberano poder de dizer o direito (juris dicere). 3.9.
Tal como ocorre com os poderes instrutórios residuais do juiz no sistema acusatório, que se justificam excepcionalmente à vista do risco de se relegar a busca da verdade processual apenas às partes - as quais estão em situação de engajamento e têm interesse em ganhar a causa, e não necessariamente em demonstrar o que de fato aconteceu -, pela mesma razão se explica a possibilidade - também excepcional - de que o juiz condene o réu mesmo que o Ministério Público peça a absolvição dele. 3.10.
O princípio da correlação vincula o julgador apenas aos fatos narrados na denúncia - aos quais ele pode, inclusive, atribuir qualificação jurídica diversa (art. 383 do CPP) -, mas não o vincula aos fundamentos jurídicos invocados pelas partes em alegações finais para sustentar seus pedidos.
Dessa forma, uma vez veiculada a acusação por meio da denúncia e alterado o estado natural de inércia da jurisdição - inafastável do Poder Judiciário nos termos do art. 5º, XXXV, da Constituição -, o processo segue por impulso oficial e o juiz tem o dever - pautado pelo sistema da persuasão racional - de analisar, motivadamente, o mérito da causa submetida à sua apreciação, à vista da hipótese acusatória contida na denúncia, sem que lhe seja imposto o papel de mero homologador do que lhe foi proposto pelo Parquet. 3.11.
A submissão do magistrado à manifestação final do Ministério Público, a pretexto de supostamente concretizar o princípio acusatório, implicaria, em verdade, subvertê-lo, transmutando o órgão acusador em julgador e solapando, além da independência funcional da magistratura, duas das basilares características da jurisdição: a indeclinabilidade e a indelegabilidade. (...) 6.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. (REsp n. 2.022.413/PA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, relator para acórdão Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 7/3/2023.).
Grifei".
Ainda, quanto aos delitos de injúria qualificada e ameaça, as provas são igualmente eloquentes.
A expressão “velho sem vergonha”, proferida pelo filho contra o pai idoso, configura ofensa grave à dignidade da vítima, notadamente em razão da condição etária.
A ameaça de morte (“vou lhe dar uma facada enquanto dorme”), reiteradamente pronunciada, gerou efetivo temor à vítima, que, inclusive, passou a dormir sobressaltado, segundo narrado nesses autos.
As teses defensivas relativas à ausência de dolo, ação sob efeito de entorpecentes e ausência de ânimo injuriante não encontram respaldo nas provas dos autos.
Trata-se de tentativa clara de desqualificar a conduta delituosa, porém, desprovida de amparo fático e legal.
Conforme bem pontuou o Parecer da Procuradoria de Justiça: “Outrossim, resta patente a configuração do delito tipificado no art. 147 do Código Penal, que pune a conduta daquele que procura intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, sério, verossímil e injusto, como ocorreu na situação em exame.
Com efeito, é cediço que para a consumação do aludido tipo penal não se faz necessário o resultado prometido pela ameaça, sendo, contudo, imprescindível que o ofendido sinta, pelo menos, temor ou intimidação diante das palavras proferidas pelo ofensor – o que, decerto, pela análise dos depoimentos expostos alhures, ocorreu na hipótese em comento.
De fato, em que pese a alegação da defesa de ausência de dolo para a configuração do delito, o que se tem é que a vítima, ao ser indagada, ressaltou que não dormiu bem por medo das ameaças de morte do acusado e que se sentiu amedrontada, de maneira que a sua fala revela que o fato lhe causou temor.
Além disso, não se pode olvidar que o fato de a vítima ter procurado as autoridades para manifestar seu desejo de representação contra o réu, mesmo sendo seu filho, ratifica, a rigor, a existência do temor diante da intenção da vítima em ver o acusado contido legalmente.” Nessa ordem de considerações, pois, é que tenho por insubsistentes as razões do apelo, restando inalterada a sentença.
Diante do exposto, em consonância com o parecer da 3ª Procuradoria de Justiça, conheço parcialmente do recurso e nessa extensão nego provimento, nos termos da fundamentação supra. É como voto.
Natal/RN, data do sistema.
Desembargador Glauber Rêgo Relator Natal/RN, 9 de Junho de 2025. -
29/05/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0815565-39.2021.8.20.5001, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 09-06-2025 às 08:00, a ser realizada no Sessão VIRTUAL.
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 28 de maio de 2025. -
26/05/2025 13:44
Remetidos os Autos (em revisão) para Gab. Des. Ricardo Procópio na Câmara Criminal
-
26/05/2025 09:06
Conclusos para julgamento
-
24/05/2025 16:13
Juntada de Petição de parecer
-
19/05/2025 20:05
Expedição de Outros documentos.
-
19/05/2025 20:05
Juntada de termo
-
19/05/2025 15:03
Proferido despacho de mero expediente
-
19/05/2025 10:25
Conclusos para despacho
-
19/05/2025 10:04
Redistribuído por prevenção em razão de modificação da competência
-
19/05/2025 09:48
Determinação de redistribuição por prevenção
-
16/05/2025 13:00
Recebidos os autos
-
16/05/2025 13:00
Conclusos para despacho
-
16/05/2025 13:00
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
19/05/2025
Ultima Atualização
23/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Acórdão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Outros documentos • Arquivo
Outros documentos • Arquivo
Despacho • Arquivo
Outros documentos • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
Informações relacionadas
Processo nº 0800535-93.2024.8.20.5118
Kedilva Araujo de Medeiros Cabral
Municipio de Jucurutu
Advogado: Artur Felipe de Medeiros
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 01/08/2024 18:38
Processo nº 0800260-14.2021.8.20.5163
Anselmo Francisco da Costa
Emmanoel Horacio da Costa
Advogado: Vilma Marinho Cezar
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 01/06/2021 18:40
Processo nº 0802764-44.2024.8.20.5112
Maria Nogueira da Silva Soares
Eagle - Gestao de Negocios LTDA
Advogado: Joana Goncalves Vargas
2ª instância - TJRN
Ajuizamento: 13/02/2025 10:24
Processo nº 0802764-44.2024.8.20.5112
Maria Nogueira da Silva Soares
Eagle - Gestao de Negocios LTDA
Advogado: Bruno Rafael Albuquerque Melo Gomes
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 18/09/2024 17:21
Processo nº 0814530-39.2024.8.20.5001
Francisco de Assis da Hora
Estado do Rio Grande do Norte
Advogado: Mauricio Vicente Fagoni Serafim
1ª instância - TJRN
Ajuizamento: 04/03/2024 17:12