TJRN - 0800628-04.2020.8.20.5116
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) 2ª Turma Recursal
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Partes
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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04/09/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 4ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE NATAL/RN Processo nº 0808072-69.2025.8.20.5001 Ação: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) AUTOR: RODOLPHO PENNA LIMA RODRIGUES REU: APPLE COMPUTER BRASIL LTDA SENTENÇA Vistos, etc.
Trata-se de AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c INDENIZAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS proposta por RODOLPHO PENNA LIMA RODRIGUES em face APPLE COMPUTER BRASIL LTDA, na qual a parte autora, alega em síntese, que: a) adquiriu um notebook Apple MacBook Pro, 16 polegadas, 512 GB, em 03 de setembro de 2022, na França, pelo valor de € 2.324,00; b) em fevereiro de 2025, aproximadamente dois anos após a compra, o equipamento apresentou um defeito: inicialmente, listras pretas no display, culminando na paralisação completa do funcionamento da tela; c) o equipamento foi submetido à análise técnica na OMNI NATAL TECNOLOGIA LTDA.
ME, assistência técnica autorizada da Apple em Natal/RN, tendo sido atestada falha do display, sem indícios de mau uso; d) o orçamento para o reparo, que envolvia a substituição integral do display, foi fixado em R$ 6.750,00, com a informação de indisponibilidade da peça e prazo de entrega de até 25 dias ou mais; e e) é Defensor Público Estadual, está impossibilitado de usar o notebook para fins profissionais e acadêmicos, atividades essenciais ao desempenho de suas funções.
Diante disso, requereu a concessão de tutela de urgência para substituição do produto.
No mérito, requereu a confirmação da tutela, o ressarcimento do valor de R$ 6.750,00, além de indenização por danos morais.
O pedido de tutela de urgência foi deferido pela decisão de ID 142622078, que determinou a substituição do notebook pela Ré no prazo de cinco dias, e a interrupção do serviço de reparo no equipamento defeituoso.
A parte autora requereu o bloqueio do valor necessário à aquisição de um novo produto, diante da ausência de cumprimento da tutela (ID 144228466).
A ré apresentou contestação em ID 144945174, alegando, em síntese, que o problema ocorreu após o término do prazo de garantia contratual de um ano (expirado em setembro de 2023), não havendo dever legal de reparo ou substituição.
Sustentou que o funcionamento do aparelho por dois anos e cinco meses afastava a ocorrência de vício oculto e que as reclamações de consumidores em sites não oficiais da Apple não comprovariam um problema generalizado.
A ré também contestou a ocorrência de danos morais e a inversão do ônus da prova.
Réplica apresentada no ID 144961678.
A ré interpôs Agravo de Instrumento nº 0803790-53.2025.8.20.0000 contra a decisão que deferiu a tutela de urgência.
O Desembargador Relator concedeu efeito suspensivo a este recurso, suspendendo os efeitos da decisão agravada (ID 145695674).
Após o despacho de ID 145435612, que informou o efeito suspensivo do Agravo de Instrumento e intimou as partes para especificar provas, a ré manifestou não pretender produzir outros meios de prova, requerendo o julgamento antecipado do feito (ID 145932812).
O autor, por sua vez, reiterou o pedido de inversão do ônus da prova e o julgamento antecipado (ID 145943535).
Em seguida, foi proferida decisão de saneamento e organização do processo de ID 147667793, declarando como fatos incontroversos que o equipamento apresentou defeito na tela, que o prazo de garantia de um ano havia expirado e que não houve uso inadequado por parte do consumidor.
Este Juízo reconheceu a relação consumerista e a hipossuficiência técnica do autor, invertendo o ônus da prova em desfavor da ré quanto à demonstração da vida útil da peça defeituosa e à configuração de vício oculto.
Ao autor, coube o ônus de provar o dano moral.
Também foram delimitadas as questões de direito relevantes e admitidas provas documental, testemunhal e pericial, concedendo prazo comum para as partes requererem a produção de provas.
A ré interpôs novo Agravo de Instrumento nº 0807886-14.2025.8.20.0000 contra a decisão de saneamento que inverteu o ônus da prova.
Em decisão monocrática de ID 31124981, o Desembargador Relator indeferiu o pedido da agravante, mantendo a inversão do ônus da prova, em razão da vulnerabilidade técnica do consumidor e da maior facilidade da empresa em comprovar suas responsabilidades.
O autor requereu o julgamento da demanda.
A certidão de ID 153771772 confirmou o decurso do prazo para produção de provas sem requerimentos. É o relatório.
Em se tratando de demanda cuja questão de mérito é essencialmente de direito e que a documentação colacionada aos autos é suficiente a fazer prova dos aspectos fáticos, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 355, I, do CPC.
A presente controvérsia deve ser analisada sob a ótica da legislação consumerista, notadamente o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Resta indubitável a configuração de uma relação de consumo entre as partes, uma vez que o autor se enquadra na definição de consumidor, como destinatário final do produto, e a ré, Apple Computer Brasil Ltda., atua como fornecedora de bens tecnológicos.
Nesse cenário, a inversão do ônus da prova é medida que se impõe, conforme preceitua o artigo 6º, inciso VIII, do CDC.
A verossimilhança das alegações do autor foi demonstrada pelo robusto conjunto probatório que instruiu a inicial, incluindo a nota fiscal de compra (ID 142621155) e a ordem de serviço emitida pela assistência técnica autorizada da Apple (OMNI NATAL TECNOLOGIA LTDA.
ME), na qual se atestou a existência do vício narrado na exordial e a inexistência de sinal de mau uso (ID 142621157).
A hipossuficiência técnica do consumidor frente à expertise da Apple na produção de provas sobre vícios em seus equipamentos é igualmente inquestionável.
A inversão do ônus da prova foi expressamente determinada na decisão de saneamento de ID 147667793.
Naquela ocasião, este Juízo estabeleceu que caberia à ré demonstrar qual a vida útil da tela do notebook e se a falha do equipamento (tela preta) configurava vício oculto ou decorria de desgaste natural.
A ré, inconformada, interpôs Agravo de Instrumento nº 0807886-14.2025.8.20.0000, no entanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, no julgamento do mérito do recurso, manteve integralmente a decisão que inverteu o ônus da prova, reconhecendo a vulnerabilidade técnica do consumidor e a maior facilidade da empresa em produzir a prova necessária.
Com efeito, apesar da inversão do ônus da prova e da oportunidade concedida para a produção probatória, a ré não se desincumbiu do seu encargo, na medida em que, na manifestação de ID 145932813, informou que não pretendia produzir outras provas, requerendo o julgamento do feito no estado em que se encontrava.
Assim, a ré deixou de demonstrar a vida útil da peça que apresentou defeito, bem como de comprovar que a falha do equipamento não se configurava como vício oculto, mas sim como desgaste natural, conforme lhe foi imposto pela decisão de saneamento, confirmada em segundo grau.
A ausência de produção de provas por parte da ré, em um contexto de ônus probatório invertido, milita em favor das alegações do autor.
O cerne da questão reside na ocorrência de vício oculto no produto.
O notebook Apple MacBook Pro, equipamento de elevado valor e desempenho adquirido pelo autor, apresentou defeito no display após cerca de dois anos e cinco meses de utilização, sem qualquer indício de mau uso.
A expiração do prazo de garantia de um ano, utilizada pelo fabricante como justificativa para se isentar da cobertura do defeito, não é suficiente a afastar o dever de responder por vícios ocultos (que se encontravam presentes no equipamento desde sua fabricação, mas que vieram a se manifestar ao longo da vida útil do bem), notadamente em se tratando de bens duráveis, de alto custo, conforme a teoria da vida útil do produto, amplamente adotada pelo egrégio STJ: RECURSO ESPECIAL.
PROCESSO CIVIL.
DIREITO DO CONSUMIDOR.
VÍCIO DO PRODUTO.
RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR.
TEORIA DA VIDA ÚTIL DO PRODUTO.
ACÓRDÃO RECORRIDO.
FUNDAMENTAÇÃO.
PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
NEGATIVA.
AFASTAMENTO.
JULGAMENTO EXTRA PETITA.
NÃO OCORRÊNCIA. 1.
Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2.
A questão controvertida resume-se à verificação da responsabilidade do fornecedor por vícios apresentados em eletrodomésticos durante a denominada "vida útil do produto". 3.
Não o se reconhece a negativa de prestação jurisdicional alegada quando o Tribunal de origem se pronuncia a respeito de todos os pontos levantados pela recorrente, ainda que de forma sucinta, afastando os argumentos deduzidos que, em tese, seriam capazes de infirmar a conclusão adotada. 4.
Não há julgamento extra petita quando o acórdão recorrido, acolhendo argumento da parte pleiteando a inaplicabilidade da Teoria da Vida Útil do Produto à hipótese, afasta a responsabilidade pelos vícios surgidos após o período de garantia contratual. 5.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 26, § 3º, ao tratar dos vícios ocultos, adotou o critério da vida útil do bem, e não o da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício mesmo depois de expirada a garantia contratual.
Precedentes. 6.
No caso, os vícios observados nos produtos adquiridos pela recorrente apareceram durante o período de vida útil do produto, e não foi produzida nenhuma prova de que o mau funcionamento dos eletrodomésticos decorreu de uso inadequado pelo consumidor, a evidenciar responsabilidade da fornecedora. 7.
Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (REsp n. 1.787.287/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 16/12/2021.) DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO E RECONVENÇÃO.
JULGAMENTO REALIZADO POR UMA ÚNICA SENTENÇA.
RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO EM PARTE.
EXIGÊNCIA DE DUPLO PREPARO.
LEGISLAÇÃO LOCAL.
INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 280/STF.
AÇÃO DE COBRANÇA AJUIZADA PELO FORNECEDOR.
VÍCIO DO PRODUTO.
MANIFESTAÇÃO FORA DO PRAZO DE GARANTIA.
VÍCIO OCULTO RELATIVO À FABRICAÇÃO.
CONSTATAÇÃO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS.
RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR.
DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA.
EXEGESE DO ART. 26, § 3º, DO CDC. 1.
Muito embora tenha o art. 511 do CPC disciplinado em linhas gerais o preparo de recursos, o próprio dispositivo remete à "legislação pertinente" a forma pela qual será cobrada a mencionada custa dos litigantes que interpuserem seus recursos.
Nesse passo, é a legislação local que disciplina as especificidades do preparo dos recursos cujo julgamento se dá nas instâncias ordinárias. 2.
Portanto, a adequação do preparo ao recurso de apelação interposto é matéria própria de legislação local, não cabendo ao STJ aferir a regularidade do seu pagamento, ou se é necessário ou não o recolhimento para cada ação no bojo da qual foi manejada a insurgência.
Inviável, no ponto, o recurso especial porquanto demandaria apreciação de legislação local, providência vedada, mutatis mutandis, pela Súmula n. 280/STF: "Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário".
Ademais, eventual confronto entre a legislação local e a federal é matéria a ser resolvida pela via do recurso extraordinário, nos termos do art. 102, inciso III, alínea "d", da Constituição Federal, com a redação que lhe foi conferida pela E.C. n. 45/04. 3.
No mérito da causa, cuida-se de ação de cobrança ajuizada por vendedor de máquina agrícola, pleiteando os custos com o reparo do produto vendido.
O Tribunal a quo manteve a sentença de improcedência do pedido deduzido pelo ora recorrente, porquanto reconheceu sua responsabilidade pelo vício que inquinava o produto adquirido pelo recorrido, tendo sido comprovado que se tratava de defeito de fabricação e que era ele oculto.
Com efeito, a conclusão a que chegou o acórdão, sobre se tratar de vício oculto de fabricação, não se desfaz sem a reapreciação do conjunto fático-probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ.
Não fosse por isso, o ônus da prova quanto à natureza do vício era mesmo do ora recorrente, seja porque é autor da demanda (art. 333, inciso I, do CPC) seja porque se trata de relação de consumo, militando em benefício do consumidor eventual déficit em matéria probatória. 4.
O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal.
O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto.
Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício. 5.
Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio.
Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. 6.
Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto.
Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir.
Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia.
Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. 7.
Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual.
Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8.
Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9.
Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum.
Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo. 10.
Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, não provido. (REsp n. 984.106/SC, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 4/10/2012, DJe de 20/11/2012.) Não é diverso o entendimento no âmbito do TJRN: EMENTA: DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO REDIBITÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS.
NOTEBOOK COM FALHA DE HARDWARE.
VÍCIO OCULTO.
PRAZO DECADENCIAL PARA RECLAMAR QUE FLUI A PARTIR DA CONSTATAÇÃO.
ARTIGO 26, § 3°, DO CDC.
DECURSO DA GARANTIA CONTRATUAL E LEGAL QUE NÃO AFASTA A RESPONSABILIDADE DO FABRICANTE, EM RAZÃO DA VIDA ÚTIL ESTIMADA PARA O PRODUTO.
BEM DE USO DURÁVEL.
DEVER DE RESTITUIÇÃO DO PREÇO PAGO.
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 18, § 1°, II, DO CDC.
DANO MORAL CARACTERIZADO.
QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO CORRETAMENTE.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (APELAÇÃO CÍVEL, 0819663-04.2020.8.20.5001, Des.
Dilermando Mota, Primeira Câmara Cível, Juiz RICARDO TINOCO DE GÓES (Convocado), JULGADO em 05/11/2021, PUBLICADO em 08/11/2021) Sendo assim, diante da demonstração documental (ID. 142621156) da ocorrência de vício oculto em bem durável, ao qual o usuário não deu causa, e observado o prazo decadencial do art. 26, II, § 3º, do CDC, surge para o consumidor o direito subjetivo a se socorrer de uma das hipóteses do art. 18, §1º, do CDC, com a ressalva do § 3º de referido dispositivo legal, no que pertine à extensão do defeito ou o caráter essencial do bem: Art. 18.
Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço. § 2° Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias.
Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor. § 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.
No caso presente, o demandante é Defensor Público e utiliza o equipamento para o exercício de sua atividade profissional, circunstância que evidencia à saciedade o caráter essencial do produto, viabilizando o recurso imediato a uma das opções elencadas no dispositivo legal supra transcrito.
Portanto, configurada a responsabilidade da Ré pelo vício oculto, impõe-se a procedência do pedido de substituição do produto por outro da mesma espécie e em perfeitas condições de uso.
Consequentemente, o valor despendido pelo autor para tentar resolver o problema, que deveria ter sido arcado pela ré, deve ser ressarcido.
No que tange aos danos extrapatrimoniais, o autor pleiteou indenização por danos morais, alegando ter sido submetido a situações recorrentes de estresse e indignação pela falha do produto e a falta de suporte da fornecedora, especialmente considerando a essencialidade do notebook para seu trabalho.
Contudo, para a configuração do dano moral, a lesão deve ultrapassar o mero aborrecimento cotidiano, atingindo a esfera dos direitos da personalidade de forma grave e significativa.
Embora a situação tenha sido frustrante e incômoda, a documentação apresentada e a narrativa fática, por si só, não demonstram que os transtornos vivenciados pelo autor, no presente caso concreto, transbordaram o limite do dissabor e da frustração esperados em situações de falha contratual, a ponto de configurar efetiva e grave violação aos seus direitos de personalidade.
Neste mesmo sentido, mister se faz transcrever aqui os ensinamentos de SERGIO CAVALIERI FILHO, in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed. ver. - São Paulo: Malheiros Editores, 2005, pág. 106: “Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.
Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo”.
Não é diversa a jurisprudência do TJRN, em situações fáticas similares: EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAIS E MORAIS.
INEXISTÊNCIA DE ATO ILÍCITO.
ABORRECIMENTO COTIDIANO.
AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DO CONSUMIDOR.
DANO MORAL.
NÃO CONFIGURADO.
SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA MANTIDA.
MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
IMPOSSIBILIDADE.
MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação cível interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente ação indenizatória por danos materiais e morais, reconhecendo os danos patrimoniais e a sucumbência recíproca.
A controvérsia recursal limitou-se à análise da caracterização do dano moral e sua quantificação, bem como à fixação e distribuição dos honorários advocatícios.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
A questão em discussão consistiu em saber se a conduta da parte apelada configurou ato ilícito apto a ensejar indenização por danos morais.
Discutiu-se, ainda, a adequação da fixação e distribuição dos honorários advocatícios.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
No caso concreto, não se verificou conduta ilícita por parte da apelada, sendo os fatos narrados insuficientes para configurar violação à dignidade do consumidor. 4.
A orientação para que o consumidor comparecesse a assistência técnica autorizada e a negativa de substituição do produto, ainda que frustrantes, não ultrapassaram os limites do dissabor, não ensejando reparação extrapatrimonial. 5.
A ausência de atuação processual em determinados atos não impede a fixação de honorários sucumbenciais, que decorrem da sucumbência objetiva, e não do volume de trabalho desempenhado.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 6.
Conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
Tese de julgamento: 1.
A configuração do dano moral exige a demonstração de ato ilícito, dano e nexo causal, sendo insuficiente a frustração de expectativa ou descumprimento contratual desacompanhados de circunstâncias excepcionais. 2.
A fixação de honorários advocatícios sucumbenciais deve observar os critérios objetivos do art. 85 do CPC, sendo irrelevante a revelia ou a ausência de atuação processual em determinados atos.
Dispositivos relevantes: CC, art. 186; CPC, arts. 85, 86 e 1.013, § 1º.
Julgado relevante: TJRN, AC n. 0813079-47.2022.8.20.5001, Des.
João Batista Rodrigues Rebouças, Terceira Câmara Cível, J. em 16/05/2023. (APELAÇÃO CÍVEL, 0861531-25.2021.8.20.5001, Mag.
ROBERTO FRANCISCO GUEDES LIMA, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 01/08/2025, PUBLICADO em 04/08/2025) Ementa: DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.
APELAÇÃO CÍVEL.
COMPRA DE GELÁGUA.
PRODUTO DEFEITUOSO.
DANO MORAL NÃO CONFIGURADO.
MERO DISSABOR.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO RECURSO.
PRECEDENTES.
I.
CASO EM EXAME 1.
Apelação Cível interposta por Valdenora Maria de Lima Paiva em face de sentença que, em ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais, reconheceu o defeito funcional em eletrodoméstico adquirido (gelágua), determinando a restituição do valor pago, mas indeferiu o pedido de indenização por dano moral.
A autora alega que, após o defeito do produto com menos de cinco meses de uso, houve recusa injustificada da assistência técnica e da fornecedora em efetuar o conserto, o que lhe causou frustração e sofrimento, especialmente por suas condições econômicas.
Requer o provimento do recurso para a condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2.
A questão em discussão consiste em definir se o defeito no eletrodoméstico e a conduta da fornecedora geram o dever de indenizar por danos morais.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 3.
A responsabilidade do fornecedor por vício do produto impõe-se nos termos do art. 18 do CDC, justificando a restituição do valor pago quando não sanado o defeito no prazo legal. 4.
O abalo moral alegado pela autora não se configura, por ausência de comprovação de violação à sua honra, dignidade ou imagem, sendo insuficiente o dissabor decorrente do vício do produto. 5.
O defeito no eletrodoméstico e os transtornos da tentativa de reparo constituem meros aborrecimentos da vida em sociedade, não caracterizando dano moral indenizável. 6.
A jurisprudência da Corte confirma que a configuração do dano moral exige demonstração de prejuízo extrapatrimonial relevante, o que não se verifica no caso concreto.
IV.
DISPOSITIVO 7.
Recurso conhecido e desprovido. ___________ Dispositivos relevantes citados: CDC, art. 18.
Jurisprudência relevante citada: TJRN, AC nº 0811872-23.2021.8.20.5106, Rel.
Des.
Expedito Ferreira, 1ª Câmara Cível, j. 19.08.2024; TJRN, AC nº 0813079-47.2022.8.20.5001, Rel.
Des.
João Rebouças, 3ª Câmara Cível, j. 15.05.2023; TJRN, AC nº 0101329-46.2017.8.20.0125, Rel.
Des.
Virgílio Macedo Júnior, 2ª Câmara Cível, j. 03.11.2021.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos.
Acordam os Desembargadores da Primeira Turma da Segunda Câmara Cível, à unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, que fica fazendo parte integrante deste. (APELAÇÃO CÍVEL, 0812705-36.2024.8.20.5106, Des.
JOAO BATISTA RODRIGUES REBOUCAS, Segunda Câmara Cível, JULGADO em 18/06/2025, PUBLICADO em 25/06/2025) Diante disso, considerando que não restou configurada violação relevante à esfera da personalidade do autor, razão não há se falar em condenação por danos morais.
Isto posto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo procedentes em parte os pedidos formulados na inicial, para condenar a ré APPLE COMPUTER BRASIL LTDA: a) na substituição do notebook Apple MacBook Pro, 16 polegadas, 512 GB, serial N7Q0JM4066, por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso, na forma do art. 18, §1º, I, e §3º da Lei nº 8.078/90, no prazo de 15 (quinze) dias, devendo o autor, por ocasião do recebimento do novo equipamento, proceder à devolução do produto defeituoso; e b) ao ressarcimento do valor despendido pelo autor para o conserto do equipamento, fixado em R$ 6.750,00 (seis mil setecentos e cinquenta reais), corrigido monetariamente desde a data do desembolso pelo IPCA, e acrescido de juros de mora, a contar da citação, pela taxa Selic, deduzido o percentual correspondente ao IPCA, nos termos do art. 406 do Código Civil, com a redação dada pela Lei n.º 14.905/2024.
Julgo improcedente o pedido de indenização por danos morais.
Diante da sucumbência recíproca (art. 86, CPC), condeno ambas as partes ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, os quais fixo no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC, devendo a parte autora arcar com 30% do ônus sucumbencial e a parte ré arcar com 70%.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Certificado o trânsito em julgado, arquive-se, com baixa na distribuição.
Natal/RN, 3 de setembro de 2025.
OTTO BISMARCK NOBRE BRENKENFELD Juiz de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06) -
10/10/2023 19:04
Recebidos os autos
-
10/10/2023 19:04
Conclusos para julgamento
-
10/10/2023 19:03
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
10/10/2023
Ultima Atualização
04/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Detalhes
Documentos
ACÓRDÃO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
SENTENÇA • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
ATO ORDINATÓRIO • Arquivo
DESPACHO • Arquivo
DECISÃO • Arquivo
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