TRF1 - 1020680-69.2020.4.01.3800
1ª instância - 9ª Brasilia
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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01/04/2025 16:11
Arquivado Definitivamente
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25/03/2025 01:31
Decorrido prazo de CAIO HENRIQUE ALVES DE FREITAS em 24/03/2025 23:59.
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25/03/2025 00:40
Decorrido prazo de FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES em 24/03/2025 23:59.
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25/03/2025 00:19
Decorrido prazo de FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES em 24/03/2025 23:59.
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18/03/2025 00:12
Decorrido prazo de SERGIO NASCIMENTO DE CAMARGO em 17/03/2025 23:59.
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13/03/2025 11:32
Juntada de petição intercorrente
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10/03/2025 00:08
Publicado Ato ordinatório em 10/03/2025.
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08/03/2025 00:15
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 08/03/2025
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07/03/2025 00:00
Intimação
Seção Judiciária do Distrito Federal 9ª Vara Federal Cível da SJDF Processo nº 1020680-69.2020.4.01.3800 ATO ORDINATÓRIO De ordem, nos termos da Portaria nº 2/2024 deste Juízo, abro vista às partes para manifestarem-se acerca do retorno dos autos do TRF, requerendo o que entenderem de direito, no prazo de 05 (cinco) dias.
Sem manifestação os autos serão arquivados.
Brasília, 6 de março de 2025. (assinado eletronicamente) Servidor público -
06/03/2025 17:41
Juntada de Certidão
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06/03/2025 17:41
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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06/03/2025 17:41
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
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06/03/2025 17:41
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
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06/03/2025 17:41
Ato ordinatório praticado
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21/02/2025 14:06
Recebidos os autos
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21/02/2025 14:06
Juntada de Certidão
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13/12/2023 13:18
Remetidos os Autos (outros motivos) para Tribunal
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11/12/2023 18:17
Juntada de Informação
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11/12/2023 18:16
Juntada de Certidão
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07/12/2023 13:19
Juntada de Informação
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24/10/2023 08:18
Juntada de Certidão
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11/10/2023 00:03
Decorrido prazo de FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES em 10/10/2023 23:59.
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20/09/2023 16:25
Decorrido prazo de CAIO HENRIQUE ALVES DE FREITAS em 19/09/2023 23:59.
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12/09/2023 02:26
Decorrido prazo de SERGIO NASCIMENTO DE CAMARGO em 11/09/2023 23:59.
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18/08/2023 01:25
Publicado Sentença Tipo A em 18/08/2023.
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18/08/2023 01:25
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 18/08/2023
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17/08/2023 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 9ª Vara Federal Cível da SJDF SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1020680-69.2020.4.01.3800 CLASSE: AÇÃO POPULAR (66) POLO ATIVO: CAIO HENRIQUE ALVES DE FREITAS REPRESENTANTES POLO ATIVO: MATHEUS CANAZART LAGE - MG198907 POLO PASSIVO:FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES e outros SENTENÇA Vistos etc.
CAIO HENRIQUE ALVES DE FREITAS ajuíza Ação Popular com pedido liminar contra SÉRGIO NASCIMENTO DE CAMARGO E FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES com pedido para “declarar a nulidade do ato administrativo impugnado, com o objetivo de se determinar a completa retirada do texto publicado no sitio eletrônico da Fundação Cultural Palmares.
Sustenta a parte autora que “desde o dia 13 de maio de 2020, data em que a abolição da escravatura no Brasil completou 132 (centro e trinta e dois) anos, o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo, faz veicular, no sítio eletrônico da entidade, uma série de textos com o objetivo de desqualificar a figura histórica de Zumbi dos Palmares, o último líder do Quilombo dos Palmares, o maior e mais conhecido quilombo da história brasileira e que, dada sua importância, dá nome à Fundação”.
Que os dois primeiros textos foram objeto da Ação Popular 1028357-89.2020.4.01.3400, que tramita na 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, e que, por conta de pedido liminar deferido, foram retirados imediatamente do sítio eletrônico.
Narra que, não obstante a determinação para retirada dos referidos artigos, após o ajuizamento da referida Ação Popular, foi veiculado um novo artigo no sítio eletrônico da Fundação Palmares “Então...
Zumbi tinha escravos? Ainda Bem!”, de autoria de Luiz Gustavo dos Santos Chrispino, em que fica explícito objetivo de desconstruir a figura de Zumbi como símbolo da resistência negra e da luta antiescravista e de, inclusive, negar o objetivo da República, presente no art. 3º, inciso IV, da Constituição, de combate ao preconceito e a qualquer forma de discriminação.
Aduziu que “o artigo publicado no sítio eletrônico da Fundação Palmares, assim como acontece com os retirados por decisão judicial, possui uma narrativa política que propaga apenas uma posição ideológica que busca infirmar o conceito de raça e busca desconstruir o movimento negro.
Que evidente é que o artigo publicado no site da Fundação Palmares tem objetivo único de desqualificar a imagem de Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência antiescravista e, consequentemente, atacar a identidade histórico-cultural da comunidade negra.
Ademais, é notório que o texto se mostra serviente a uma corrente ideológica negacionista quanto à existência de racismo contra a população negra e que busca desqualificar e reduzir o pensamento divergente de maneira insultuosa”.
A inicial veio acompanhada de procurações e documentos.
Não recolhimento de custas em decorrência da previsão contido no art. 10 da Lei 4.717/1965.
Decisão declinando a competência e determinando a remessa para a 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal (Id. 248782353).
Decisão deferindo a medida liminar (Id. 288356351).
Revelia do Réu Sergio Nascimento de Camargo, conforme certidão de fls. 78 da rolagem única, Id. 294137885.
Contestação da Fundação Cultural Palmares às fls. 84/98 da rolagem única, Id. 330177361 sustentando em preliminar a inadequação da via eleita.
No mérito, ressalta a impossibilidade de o Judiciário realizar o controle sobre a livre manifestação de pensamento.
Agravo de Instrumento contra decisão que deferiu o pedido liminar (fls. 106/126 da rolagem única, Id. 330260355).
Réplica às fls. 130/140 da rolagem única, Id. 505836381.
Decisão redistribuindo o feito para o acervo do juiz titular (Id. 1639552350 ). É o relatório.
Decido.
O processo está maduro para julgamento.
Não há cerceamento de defesa, quando o magistrado, verdadeiro destinatário da prova, verifica que não há mais provas a ser produzidas conforme inteligência do art. 371 do Código de Processo Civil (CPC).
Ao contrário, o princípio da razoável duração do processo impõe a análise do mérito, a teor do art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição c/c arts. 1º e 4º do CPC.
Preliminarmente, examino questão cognoscível de ofício (art. 485, §3º, do CPC).
DA INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA A FCP alega a inadequação da via eleita, em razão de que a ação popular tem o escopo específico de tutelar o patrimônio público, nos termos do art. 1º da Lei nº 4.717/1965.
Ressalta que a discussão dos autos se refere à circulação de ideias, manifestação do pensamento humano, e, portanto, não há ato lesivo ao patrimônio cultural, pois não representa risco à integridade física ou moral de outrem.
Pois bem.
No caso dos autos, conforme descrito na petição inicial, a disponibilização do texto “Então...
Zumbi tinha escravos? Ainda Bem!”, de autoria de Luiz Gustavo dos Santos Chrispino no sítio eletrônico da Fundação Palmares, teria constituído uma ameaça ao patrimônio público imaterial da população brasileira.
O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ARE 824781 de Relatoria do Ministro Dias Toffoli, em sede de repercussão geral fixou a seguinte tese: “Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico de que ele participe do Estado ou de entidade”.
Nesse sentido, como o cerne da questão diz respeito a ofensa a patrimônio histórico cultural da população brasileira, em especial os afrodescendentes, a via eleita pelo autor é adequada para impugnar ato que reputa lesivo ao referido patrimônio, nos termos do que preconiza o art. 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal.
Ante o exposto, rejeito a preliminar suscitada.
Presentes as condições da ação, os pressupostos processuais e sem preliminares ou prejudiciais, passo ao exame do mérito da pretensão.
Da análise dos autos, tenho que a questão foi suficientemente enfrentada quando da prolação da decisão id. 288356351, que deferiu a tutela de urgência, cujos fundamentos adoto como razões de decidir: (…) A concessão da tutela de urgência depende da presença simultânea de dois requisitos: (i) a probabilidade do direito alegado; e (ii) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
Interpretação do art. 300 do Código de Processo Civil c/c art. art. 5º, §4º, da LAP.
Antes de se apreciar o mérito do pedido liminar, há de se destacar, desde logo, que o tema sob exame é afeto à apreciação judicial por expressa disposição legal.
Ora, a ação popular visa justamente a permitir que o Judiciário, provocado pelo cidadão, tutele o patrimônio público - conceito que compreende os “ bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico” (art. 1º, §1º, da Lei 4.717).
A propósito, dispõe o Decreto-Lei 25/1937, no caput de seu art. 1º, que o patrimônio histórico e artístico nacional é constituído pelo “conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.
Cumpre ressaltar, nesse contexto, que o art. 216 da Constituição Federal de 1988 (CF) estabelece dever de proteção (§1º) do “patrimônio cultural brasileiro”, que se compõe de “bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira” (caput).
E se há um dever estatal é porque há um direito correspondente conferido aos indivíduos afetados.
De fato, já reconheceu o Supremo Tribunal Federal, como se extrai do voto do Ministro Luiz Fux, em processo de sua relatoria, que: I – “[...] a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representou um marco evolutivo em termos de reconhecimento e proteção jurídica do patrimônio cultural brasileiro.
Reconheceu-se, a nível constitucional expresso, a necessidade de tutelar e salvaguardar o patrimônio histórico-cultural, enquanto direito fundamental de terceira geração, isto é, de titularidade difusa, não individualizado, mas pertencente a uma coletividade [...]” (ACO 1.966-AgR/AM, Relator o Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, j. em 17/11/2017).
Assim é que os presentes autos versam também sobre o direito da população negra, grupo essencial para a formação da sociedade brasileira, à sua identidade, ação e memória próprias.
Conforme consta expressamente das considerações que embasam a Convenção Interamericana contra o racismo, a discriminação racial, e formas correlatas de intolerância, assinada pelo Brasil em 6/6/2013 (cf. http://www.oas.org/es/sla/ddi/tratados_multilaterales_interamericanos_A[1]69_discriminacion_intolerancia_firmas.asp), “uma sociedade pluralista e democrática deve respeitar a raça, cor, ascendência e origem nacional ou étnica de toda pessoa, pertencente ou não a uma minoria, bem como criar condições adequadas que lhe possibilitem expressar, preservar e desenvolver sua identidade”.
Essas as garantias a ser reconhecidas aos cidadãos para o exercício regular de seus direitos.
Também por essa razão - i.é, por ser intrinsecamente vinculada aos direitos e garantias fundamentais - a questão posta nos autos pode ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário, que tem o papel de guardião dos direitos fundamentais e dos direitos das minorias, e de garantidor de que a nossa república se constitua efetivamente em Estado Democrático de Direito (art. 1º da CF), e não numa “tirania da maioria”, na expressão de J.
Madison (Federalist Papers: n. 51, 1788).
Ensina o Ministro Luís Roberto Barroso que, “[n]o ambiente da democracia deliberativa, a Constituição deve conter – e juízes e tribunais devem implementar – direitos fundamentais, princípios e fins públicos que realizem os valores de uma sociedade democrática: justiça, liberdade e igualdade” (Curso de Direito Constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, 2ª ed.
Editora Saraiva, 2010, p. 92).
Pois bem.
O pedido de medida liminar consiste na retirada do texto “Então...
Zumbi tinha escravos? Ainda Bem!”, de Luiz Gustavo dos Santos Chrispino, do sítio eletrônico da Fundação Cultural Palmares – FCP ( http://www.palmares.gov.br/wp-content/uploads/2020/05/entao-zumbi-tinha-escravos[1]ainda-bem.pdf).
Nesse ponto, vale lembrar que não incumbe a este Juízo revisão acadêmica do texto em questão, nem estudo bibliográfico sobre os fatos históricos comprovados acerca da vida de Zumbi dos Palmares. É a universidade o foro adequado para conduzir pesquisas históricas para se averiguar onde Zumbi nasceu, como cresceu, se vivia conforme as tradições do reino dos jagas de Angola ou se teve participação na morte de Ganga Zumba e para validar as versões de sua vida trazidas pelas obras de Joel Rufino dos Santos, Décio Freitas, Jean Marcel Carvalho França, Ricardo Alexandre Ferreira e outros historiadores.
Basta como premissa fática o reconhecimento do Quilombo dos Palmares e do seu líder Zumbi como símbolos da resistência negra ao domínio branco.
O próprio livro de Laurentino Gomes, que foi utilizado por Mayalu Felix para fundamentar a sua tese de que Zumbi seria meramente uma figura mítica, reconhece a existência e importância do Quilombo dos Palmares, referindo-se a documentos produzidos no período de liderança de Zumbi, nos seguintes termos: “O que tornou Palmares diferente de todos os demais quilombos da história da escravidão no Brasil foi a sua dimensão territorial e a extraordinária capacidade de resistência de seus habitantes – o que também os mantém ainda hoje como símbolos da luta dos afro-descendentes pela liberdade e pelos seus direitos. ‘Esses negros são robustos e sofredores de todo trabalho, por uso e por sua natureza’, dizia uma carta de 1687. ‘São muitos em número, e cada vez mais.
Não lhes falta destreza nas armas, nem no coração ousadia’.
Em 1681, um grupo de moradores de Pernambuco reclamou, de forma desanimadora: ‘As nossas campanhas com os negros de Palmares não tem tido o menor efeito.
Eles parecem invencíveis’ (...)” (Laurentino Gomes, Escravidão, Kindle Edition, loc. 5312 e ss.).
Entendo, porém, que a publicação objeto de controvérsia, assim como os outros dois textos impugnados na Ação Popular nº. 1028357-89.2020.4.01.3400, possui questão juridicamente relevante, consistente na explícita desconsideração da raça, cultura e consciência pretas e que a Fundação Cultural Palmares, ao promover a sua divulgação em seu sítio institucional, adere ao posicionamento manifestado por seus autores.
Passo, pois, a examinar se referida desconsideração ameaça o patrimônio histórico-cultural da população brasileira, incluída a sua parcela preta, constitui abuso de poder e desvio de finalidade e desrespeito aos princípios da legalidade e da moralidade, como pretende o autor.
Há de se destacar, nesse ponto, que raça, de fato, não é um conceito biológico. “Diferenças genéticas dentro de qualquer grupo dito racial são frequentemente maiores do que diferenças entre os grupos raciais” (Race & Ethnicity, Gendered Innovations in Science, Health & Medicine, Engineering and Environment, in http://genderedinnovations.stanford.edu/index.html, apud T.
Duster, Debating Reality and Relevance, Science , 2009, 324 (5931), 1144-145; L.
Cosmides & R.
Kurzban, Perceptions of Race, TRENDS in Cognitive Science, 2003, 4 (7), 173-179), tradução livre).
Entretanto, o pensamento sociológico contemporâneo alberga o conceito de raça como categoria social.
Anthony Giddens ensina que raça não se refere às categorias biológicas; “as diferenças raciais devem ser entendidas como variações físicas que os membros de uma comunidade ou sociedade selecionam como socialmente significativas”, a exemplo da cor da pele (Sociologia, 4a ed., Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 205).
O artigo de Chrispino se baseia nos ideais que Kimberle Crenshaw denomina de “daltonismo racial” (racial colorblindness) e adverte quanto ao seus perigos (Seeing Race Again: Countering Colorblindness across the Disciplines, University of California Press, Kindle Edition, 2019).
Para a referida autora, ao se fechar aos olhos às “cores” dos indivíduos, comunidades historicamente marginalizadas passam a ser vistas como beneficiários ilegítimos de discriminação reversa; o conceito de neutralidade de raças tende, portanto, a aprofundar ainda mais a desigualdade racial.
Esse alerta merece especial atenção no caso da sociedade brasileira, já profundamente desigual.
Ora, a pesquisa referente às Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil de 2017/2018, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (Ibge), evidenciou “as severas desvantagens da população de cor ou raça preta ou parda no que tange às dimensões necessárias para a reprodução e/ou a melhoria de suas condições de vida”.
Embora constitua numericamente maioria no Brasil, a comunidade negra (formada por pretos ou pardos, a teor dos critérios do referido instituto) encontra-se em posição detrimentosa dentro de nossa sociedade, com maiores taxas de analfabetismo e de trabalho infantil, menores índices de conclusão do ensino médio e menor renda, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2019 do Ibge, e maior probabilidade de serem vítimas de violência, de acordo com o Atlas da Violência 2019, produzido pelo IPEA e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O Desembargador Federal Roger Raupp Rios destaca que, “em sociedades onde existe preconceito e discriminação racial, a adoção de práticas que desconsiderem a realidade da discriminação importa, na prática, de modo indireto e concreto, em espaço para a reprodução e reforço da discriminação”.
Ressalta também que “[v]encer a dominação racial e a desigualdade (...) requer, ao lado da consciência da negritude, a consciência da branquidade, a fim de que a formulação das políticas públicas e a avaliação das condutas partam da realidade concreta, onde está presente a diversidade de raças e visões de mundo”.
Defende, pois, que a crença na democracia racial no Brasil redundará em aprofundamento do abismo social entre brancos e negros ("Relações raciais no Brasil: desafios ideológicos à efetividade do princípio jurídico da igualdade e ao reconhecimento da realidade social discriminatória entre negros e brancos", Direitos Humanos na Sociedade Cosmopolita, C.
A.
Baldi (org.), Rio de Janeiro, Renovar: 2004).
Não se pode olvidar,
por outro lado, que conceito de raça já foi barreira legal para o exercício pleno da cidadania.
Os negros não tinham direito a voto na Constituição de 1824, nem mesmo os libertos, e, mesmo após a abolição da escravatura, a entrada de afrodescendentes não era bem-vinda pela legislação pátria, a exemplo do Decreto 528, de 1890, e o Decreto-Lei 7.967, de 1945.
Ora, desconsideradas as raças, há o risco de que uma categoria social que havia sido utilizada para discriminar, como acima demonstrado, e que continua o sendo na prática, conforme indicam os dados do Ibge pertinente às condições de vida a que submetida a comunidade negra, não possa ser utilizada para proteger as populações desfavorecidas e para aumentar a igualdade de oportunidades.
Cumpre, ademais, ressaltar que a Fundação Cultural Palmares foi constituída “com a finalidade de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”, a teor do art. 1º da Lei 7.668/1988, que a instituiu.
Depreende-se desse dispositivo que a existência da raça negra é a premissa que fundamentou a própria criação da FCP.
De fato, somente podem ser preservados valores decorrentes da influência negra, se houver uma raça negra.
Ao negar dita existência, a Fundação Palmares deixa, portanto, de cumprir suas finalidades institucionais.
Tem-se, pois, em um juízo superficial, próprio desta fase processual, que a atuação da Fundação Palmares se desvirtuou de suas finalidades legais, o que configura abuso de poder sob a forma de desvio de finalidade, e desrespeito ao princípio da legalidade.
Quanto à atuação da FCP, três considerações adicionais merecem ser feitas.
Primeira, essa atuação institucional de desconsiderar a raça, cultura e consciência negras ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro, tutelado pela lei de ação popular, e ofende o direito da comunidade negra à identidade, ação e memória próprias e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade.
Segunda, o deferimento da tutela de urgência pleiteada não põe em risco a liberdade de expressão.
Isso porque o que se pretende é a retirada das publicações do sítio institucional de uma fundação pública.
Não se requer a exclusão do artigo de blog ou redes sociais ou sítio eletrônico de outra entidade privada ou de página pessoal do autor ou diretor ou presidente da Fundação Palmares.
A liberdade de expressão protege o indivíduo de uma atuação estatal: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, dizem os incisos IV e IX, respectivamente, do art. 5º da Constituição Federal (CF), que se insere no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Não se trata, pois, de direito do Estado, e sim de um direito individual oponível contra o Estado.
Terceira, há um dever estatal de pluralismo político com vistas a cumprir um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito (art. 1o , inciso V, da Constituição), não observado pela Fundação Palmares.
Depreende-se do exame do conteúdo de seu sítio eletrônico que a FCP não teve o intuito de inaugurar um debate, pois não ofereceu nenhum contraponto.
Todos os textos divulgados em seu sítio institucional são, de forma uníssona, para infirmar o conceito (social) de raça, bem como a cultura e consciência pretas, advogando apenas em prol de uma cultura, consciência e raça universais.
Há de se destacar, nesse ponto, que, ainda que não se concorde com o apregoado por Crenshaw, o fato é que essa posição não pode ser completamente desprezada justamente pela instância do Poder Executivo com a atribuição legal para preservar os valores decorrentes da influência negra.
Certamente – e o Presidente da Fundação Palmares é exemplo disso – parte da população negra se opõe ao movimento de consciência negra e à vinculação legal dessa data ao falecimento de Zumbi dos Palmares.
Porém, não pode a Fundação Cultural Palmares espelhar o posicionamento de seus dirigentes de negação da raça, cultura e consciência negras, sem qualquer espaço de representatividade de ideias contrárias, tornando o espaço público que deveria ser plural em espaço de pensamentos homogêneos.
Não se está aqui a fazer juízo de valor sobre os posicionamentos pessoais dos autores que reduzem o movimento negro à “luta esquerdista”.
Porém, a instituição federal cuja finalidade é a preservação dos valores resultantes da influência negra, ao fechar os olhos às diferenças raciais, descumpre seus deveres institucionais e sobretudo seu dever – como ente estatal – de respeitar o direito à identidade dos cidadãos.
O espaço não precisa ser de consenso, mas precisa existir.
Caso contrário, se a Fundação Palmares simplesmente refutar a raça, a identidade, a consciência e a cultura negras, a quem a pessoa negra que, em razão de sua tez, se sentir oprimida, furtada de oportunidades, poderá acudir? Concluo, com base nessas considerações, que a permanência do artigo questionado no sítio institucional da FCP ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro e viola o direito à identidade, ação e memória da comunidade negra e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade.
O perigo da demora decorre do fato de que a permanência da publicação em epígrafe reverbera o dano que vem sendo infligido ao patrimônio histórico-cultural pátrio e ao direito à identidade, ação e memória da comunidade negra, desde o 13 de maio. (...)” Ante o exposto, confirmo a decisão id. 288356351, e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o feito com análise do mérito, nos termos do art. 487, inciso I do CPC, para determinar à Fundação Cultural Palmares a retirada de seu sítio eletrônico do artigo “Então...
Zumbi tinha escravos? Ainda Bem!”, de Luiz Gustavo dos Santos Chrispino.
Sem condenação ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios.
Sentença sujeita à remessa necessária (art. 496, inciso I, do CPC).
Oficie-se ao(à) DD.
Relator(a) do Agravo de Instrumento nº 1029562-71.2020.4.01.0000 interposto nos autos para ciência desta sentença.
Interposta apelação, tendo em vista as modificações no sistema de apreciação da admissibilidade e dos efeitos recursais (art. 1.010, §3º, NCPC), intime-se a parte contrária para contrarrazoar.
Havendo nas contrarrazões as preliminares de que trata o art. 1009, §1º, do NCPC, intime-se o apelante para, querendo, no prazo de 15 (quinze) dias, manifestar-se a respeito, conforme §2º do mesmo dispositivo.
Após, encaminhem-se os autos ao TRF da 1ª Região.
Não havendo interposição de recurso, certifique-se o trânsito em julgado.
Sentença registrada eletronicamente.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília/DF, datado e assinado, conforme certificação digital abaixo. -
16/08/2023 10:53
Processo devolvido à Secretaria
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16/08/2023 10:53
Juntada de Certidão
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16/08/2023 10:53
Expedida/certificada a comunicação eletrônica
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16/08/2023 10:53
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
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16/08/2023 10:53
Expedição de Publicação ao Diário de Justiça Eletrônico Nacional.
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16/08/2023 10:53
Julgado procedente o pedido
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29/05/2023 13:12
Conclusos para julgamento
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29/05/2023 13:11
Remetidos os Autos (em razão de prevenção) para Juiz Federal Titular
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26/05/2023 16:27
Processo devolvido à Secretaria
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26/05/2023 16:27
Proferidas outras decisões não especificadas
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24/05/2023 21:56
Juntada de manifestação
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24/05/2023 19:21
Juntada de Vistos em inspeção - conclusão mantida
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22/11/2021 18:08
Conclusos para julgamento
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06/10/2021 01:04
Decorrido prazo de SERGIO NASCIMENTO DE CAMARGO em 05/10/2021 23:59.
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28/09/2021 11:36
Mandado devolvido entregue ao destinatário
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28/09/2021 11:36
Juntada de diligência
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20/08/2021 08:12
Decorrido prazo de FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES em 19/08/2021 23:59.
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18/08/2021 17:44
Decorrido prazo de CAIO HENRIQUE ALVES DE FREITAS em 17/08/2021 23:59.
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10/08/2021 15:09
Recebido o Mandado para Cumprimento
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05/08/2021 14:19
Juntada de petição intercorrente
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29/07/2021 09:25
Expedição de Mandado.
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29/07/2021 09:24
Expedição de Comunicação via sistema.
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29/07/2021 09:24
Expedição de Comunicação via sistema.
-
29/07/2021 09:17
Expedição de Outros documentos.
-
16/04/2021 10:50
Proferido despacho de mero expediente
-
15/04/2021 10:57
Juntada de petição intercorrente
-
15/04/2021 10:45
Conclusos para despacho
-
14/04/2021 20:13
Juntada de réplica
-
09/03/2021 12:25
Expedição de Comunicação via sistema.
-
09/03/2021 12:25
Ato ordinatório praticado
-
15/09/2020 12:32
Juntada de petição intercorrente
-
15/09/2020 11:41
Juntada de contestação
-
30/08/2020 01:13
Decorrido prazo de SERGIO NASCIMENTO DE CAMARGO em 25/08/2020 23:59:59.
-
10/08/2020 10:58
Mandado devolvido cumprido
-
10/08/2020 10:57
Juntada de diligência
-
04/08/2020 14:59
Juntada de Petição intercorrente
-
03/08/2020 17:57
Mandado devolvido cumprido
-
03/08/2020 17:57
Juntada de Certidão de devolução de mandado
-
01/08/2020 19:09
Juntada de procuração/habilitação
-
31/07/2020 17:10
Recebido o Mandado para Cumprimento pelo Oficial de Justiça
-
31/07/2020 17:09
Recebido o Mandado para Cumprimento pelo Oficial de Justiça
-
31/07/2020 13:59
Expedição de Mandado.
-
31/07/2020 13:59
Expedição de Mandado.
-
31/07/2020 13:59
Expedição de Comunicação via sistema.
-
31/07/2020 12:16
Concedida a Antecipação de tutela
-
27/07/2020 18:07
Conclusos para decisão
-
27/07/2020 18:01
Juntada de Certidão
-
27/07/2020 17:27
Redistribuído por prevenção em razão de erro material
-
02/07/2020 18:03
Juntada de petição intercorrente
-
27/06/2020 13:22
Decorrido prazo de CAIO HENRIQUE ALVES DE FREITAS em 26/06/2020 23:59:59.
-
04/06/2020 18:20
Expedição de Comunicação via sistema.
-
04/06/2020 17:03
Outras Decisões
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03/06/2020 14:07
Conclusos para decisão
-
03/06/2020 12:50
Remetidos os Autos da Distribuição a 3ª Vara Federal Cível da SJMG
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03/06/2020 12:50
Juntada de Informação de Prevenção.
-
02/06/2020 18:02
Recebido pelo Distribuidor
-
02/06/2020 18:02
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
27/07/2020
Ultima Atualização
07/03/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Ato ordinatório • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Sentença Tipo A • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Ato ordinatório • Arquivo
Decisão • Arquivo
Decisão • Arquivo
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