TRF1 - 1020681-51.2024.4.01.3400
1ª instância - 8ª Brasilia
Polo Passivo
Partes
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
29/04/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária do Distrito Federal 8ª Vara Federal Cível da SJDF SENTENÇA TIPO "A" PROCESSO: 1020681-51.2024.4.01.3400 CLASSE: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7) POLO ATIVO: SIND DAS SOC DE ADV DOS EST DE SAO PAULO E R DE JANEIRO REPRESENTANTES POLO ATIVO: GLAUCIA MARA COELHO - SP173018 POLO PASSIVO: UNIÃO FEDERAL SENTENÇA SINDICATO DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS DOS ESTADOS DE SÃO PAULO E RIO DE JANEIRO requereu tutela cautelar antecedente contra a UNIÃO requerendo: b) a concessão da tutela cautelar em caráter antecedente, inaudita altera parte, nos termos do art. 303 do CPC, para determinar que: b.1) a Ré se abstenha de publicar quaisquer dados dos representados do Sindicato Autor por meio do Relatório da Transparência Salarial, reconhecendo-se a ilegalidade da divulgação, pelo MTE, do Relatório de Transparência Salarial; b.2) não seja exigível dos representados do Sindicato Autor a publicação do relatório “em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares” e de apresentar, elaborar e/ou cumprir qualquer Plano de Ação baseado no relatório disponibilizado pelo MTE, como previsto art. 5º, caput, e §3º, da Lei nº 14.611/2023, e no art. 2º, §§3º e 4º, do Decreto nº 11.795/2023 e na Portaria MTE n° 3.714/2023; b.3) a qualquer tempo, não seja imposta qualquer penalidade aos representados do Sindicato Autor pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas no Decreto n° 11.795/2023 e na Portaria MTE n° 3.714/2023.
Deferida a tutela cautelar em sede de plantão judicial (ID 2107222179), foi a autora intimada para emenda da inicial e recolhimento de custas.
A União compareceu espontaneamente no feito e apresentou contestação (ID 2113623178).
Comunicou, ainda, a interposição de agravo de instrumento nº 1010515-72.2024.4.01.0000.
Emenda à inicial no ID 2126047864, na qual a autora requereu: d) que seja julgado integralmente procedente o pedido, a fim de que seja declarado o direito da AUTORA: d.1) de não ser exigida pela RÉ — com base na Lei nº 14.611/2023, no Decreto n° 11.795/2023 e na Portaria MTE n° 3.714/2023 ou em qualquer outra norma que os suceda — quanto ao cumprimento de obrigações de divulgação e/ou publicação do Relatório de Transparência Salarial “em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares”, enquanto não houver parâmetro adequado de comparação para se afirmar a iniquidade salarial entre os gêneros; d.2) de não apresentar, elaborar e/ou cumprir qualquer Plano de Ação baseado no Relatório de Transparência Salarial elaborado pelo MTE, bem como que a Ré se abstenha de divulgar o referido Relatório, enquanto não houver parâmetro adequado de comparação para se afirmar a iniquidade salarial de gêneros; d.3) de não ter a si imputada quaisquer penalidades pertinentes e/ou decorrentes do Relatório de Transparência Salarial, enquanto não houver parâmetro adequado de comparação para se afirmar a iniquidade salarial entre os gêneros.
Citada, a União apresentou a manifestação sob ID 2137836751. É o relatório.
Decido.
Passo ao julgamento antecipado da lide (art. 355, I, do CPC).
Afasto a preliminar de incompetência da Justiça Federal.
A lide não tem como objeto uma relação jurídica oriunda diretamente da relação de trabalho, e sim relação de direito administrativo oriunda da obrigação legal imposta pelo Ministério do Trabalho de as empresas publicarem Relatórios de Transparência Salarial sobre desníveis salariais entre empregados e empregadas que exercem funções similares.
Portanto, trata-se de ação que tem no polo passivo a União Federal, e envolve matéria administrativa, e não trabalhista, atraindo a competência da Justiça Federal.
Passo à análise do mérito.
A Lei n. 14.611/2023 foi editada com o objetivo de combater a desigualdade salarial entre homens e mulheres, bem como implementar mecanismos fiscalizatórios que concretizem a igualdade gênero no âmbito do mercado de trabalho: Art. 1º.
Esta Lei dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios, nos termos da regulamentação, entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função e altera a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
Art. 2º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função é obrigatória e será garantida nos termos desta Lei. (...) Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). §1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico. §2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho. §3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens. §4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.
Art. 6º Ato do Poder Executivo instituirá protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.
No mesmo sentido, dispõe o Decreto nº 11.795/2023, que regulamentou a Lei nº 14.611/2023: Art. 2º.
O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações: (...) §2º.
Os dados e as informações constantes dos Relatórios deverão ser: I – anonimizados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018; e II – enviados por meio de ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
O conteúdo do relatório de transparência salarial foi detalhado na Portaria MTE nº 3.714/2023, que regulamentou o Decreto nº 11.795/2023: Art. 3º O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios será composto por duas seções, contendo cada uma, as seguintes informações: I - Seção I - dados extraídos do eSocial: a) dados cadastrais do empregador; b) número total de trabalhadores empregados da empresa e por estabelecimento; c) número total de trabalhadores empregados separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal; e d) cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO); e II - Seção II - dados extraídos do Portal Emprega Brasil: a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados; c) existência de incentivo à contratação de mulheres; d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.
A lei e o decreto buscaram dar efetividade às disposições constitucionais previstas no Artigo 5º, I, e Artigo 7º, XXX, ambos da CF/88.
Trata-se da adoção de políticas públicas voltadas à mitigação da disparidade salarial entre homens e mulheres, missão constitucional e atribuição do Poder Executivo, com base na lei amplamente discutida no Congresso, tendo o Estado o dever de implementar os meios necessários à consecução da vontade política representativa.
Sendo assim, uma vez que a discussão já passou pelos Poderes da República responsáveis pela criação, promoção e execução das políticas públicas, a interferência do Poder Judiciário na questão não pode se dar de forma ampla e sem observância da deferência necessária às escolhas políticas dos efetivos representantes da população brasileira.
O artigo 5º, § 2º, da Lei nº 14.611/23 foi veiculado em lei em sentido formal, que tem a mesma estatura normativa da regra contida no art. 461, da CLT, podendo perfeitamente modificá-la, ampliá-la, restringi-la, ou complementá-la, como dispositivo legal publicado posteriormente.
A nova previsão legal veio se somar à disciplina prevista no art. 461, da CLT, sem prejuízo das consequências jurídicas já existentes.
A desigualdade salarial proibida pela legislação é evidentemente aquela não justificada, aquela que ocorre apenas em razão da diferença de gênero.
Dessa forma, não é toda e qualquer diferença salarial que implicará a obrigatoriedade de elaboração e implementação de um plano de mitigação.
Assim, identificada uma discriminação salarial injustificada, elabora-se um plano contendo metas e prazos claros para a correção das diferenças salariais verificadas, proporcionando uma estrutura organizada para o processo de ajuste.
Ressalte-se, inclusive, que a Lei sequer traz qualquer sanção para o descumprimento da obrigação de elaboração e implementação do plano de mitigação, prevendo multa apenas para o descumprimento da obrigação de publicação semestral do relatório de transparência.
Logo, a elaboração ou não do relatório, quando muito, poderá configurar subsídio para justificar fiscalização específica quanto ao cumprimento do art. 461 da CLT, o que não prescinde de efetivo processo legal, contraditório e ampla defesa.
O regime legal em questão tem a vantagem de fazer com que as desigualdades sistêmicas entre homens e mulheres sejam paulatinamente debeladas, com planos de metas em que as próprias empresas se planejam e preveem os meios e o tempo reputados necessários para que possam desfazê-las, sem a imposição de qualquer sanção.
Ainda, foi amplamente esclarecido que não haverá divulgação dos salários dos empregados de uma empresa, mas tão somente a demonstração da diferença percentual dos valores pagos entre mulheres e homens inseridos em cada um dos grandes grupos de CBO – classificação brasileira de ocupações, tendo, inclusive, tal assunto ter sido debatido publicamente pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Dessa forma, percebe-se que não haverá afronta alguma ao poder diretivo da empresa ou à livre concorrência, uma vez que não haverá a divulgação de qualquer informação confidencial sensível.
Ainda, não se insere no âmbito da livre concorrência a possibilidade de violação do princípio da igualdade entre homens e mulheres, que deve prevalecer no caso dos autos.
A LGPD prevê como hipótese de tratamento e uso de dados pessoais a execução de políticas públicas pela administração: Art. 7º O tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado nas seguintes hipóteses: I - mediante o fornecimento de consentimento pelo titular; II - para o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; III - pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos ou respaldadas em contratos, convênios ou instrumentos congêneres, observadas as disposições do Capítulo IV desta Lei; (...) Art. 11.
O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas seguintes hipóteses: I - quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para finalidades específicas; II - sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for indispensável para: a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador; b) tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos; (...) Art. 23.
O tratamento de dados pessoais pelas pessoas jurídicas de direito público referidas no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação), deverá ser realizado para o atendimento de sua finalidade pública, na persecução do interesse público, com o objetivo de executar as competências legais ou cumprir as atribuições legais do serviço público, desde que: I - sejam informadas as hipóteses em que, no exercício de suas competências, realizam o tratamento de dados pessoais, fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos; (...) Art. 25.
Os dados deverão ser mantidos em formato interoperável e estruturado para o uso compartilhado, com vistas à execução de políticas públicas, à prestação de serviços públicos, à descentralização da atividade pública e à disseminação e ao acesso das informações pelo público em geral.
Art. 26.
O uso compartilhado de dados pessoais pelo Poder Público deve atender a finalidades específicas de execução de políticas públicas e atribuição legal pelos órgãos e pelas entidades públicas, respeitados os princípios de proteção de dados pessoais elencados no art. 6º desta Lei.
Por fim, a LGPD traz as definições de dados pessoais e dados pessoais sensíveis: Art. 5º Para os fins desta Lei, considera-se: I - dado pessoal: informação relacionada a pessoa natural identificada ou identificável; II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural; Percebe-se que as disposições se encontram em consonância com a LGPD, que sequer trata a remuneração como dado pessoal sensível.
Uma vez que os dados não estarão vinculados a pessoas naturais identificadas ou identificáveis, não se observa violação à proteção dos dados.
Das informações a serem prestadas não há qualquer violação à imagem ou à proteção de dados, uma vez que os dados não permitem identificar os trabalhadores ou trabalhadoras e, em grande maioria, são informações já constantes de sistemas de informações.
Importante ressaltar que, quando trata da remuneração dos empregados, a Portaria refere-se a dados sem a correlação com pessoas específicas, mas sim consolidados e "separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal" (art. 3º, I, c).
Tais dados são necessários e suficientes para atender ao fim a que se destinam, qual seja, "a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos" (art. 2º, caput, do Decreto nº 11.795/2023).
Adicionalmente, o Relatório abrange somente informações de empresas com 100 ou mais empregados, ocultando registros que poderiam levar à identificação dos trabalhadores.
Da análise dos dispositivos dos atos infralegais em comento, também não se verifica mácula à legalidade, haja vista que se limitam a regulamentar a forma de cumprimento da obrigação que decorre de lei.
Os atos administrativos não desbordam dos limites do texto legal.
O Decreto nº. 11.795/2023 e a Portaria MTE nº. 3.714/2023 apenas fixaram o modo de cumprimento da determinação legal contida no art. 5º da Lei nº 14.611/2023, dispondo sobre a forma como a publicação dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados deve ocorrer, observando-se as normas contidas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Uma coisa é o descumprimento pontual da obrigação prevista no art. 461 da CLT, que deve ser remediado junto à Justiça do Trabalho, por meio de reclamação trabalhista entre as partes interessadas/lesadas.
Outra coisa é a análise ampla de como as empresas nacionais vêm distribuindo a remuneração entre os diversos grupos de ocupação, relativamente aos salários dos homens e mulheres, como forma de possibilitar a fiscalização e elaboração de políticas públicas nacionais.
Observe-se que o art. 5º da Lei n. 14.611/2023 nada versa sobre a obrigação de equiparação salarial, tratando apenas de criar a obrigação de publicação do relatório de transparência salarial.
Do mesmo modo, o § 3º do referido artigo não cria multa pelo descumprimento do dever legal de equiparação salarial, mas sim pune a não publicação do relatório.
Ao dispor que a penalidade é aplicável sem prejuízo das sanções aplicáveis para os casos de discriminação salarial, a lei simplesmente demonstra a distinção entre os objetos das referidas sanções.
Uma se dá pelo descumprimento da norma administrativa de publicação dos relatórios, apurada no âmbito civil administrativo, outra se daria pelo descumprimento de norma trabalhista e, por óbvio, seria aplicada no âmbito de efetiva fiscalização pelos órgãos trabalhistas.
Não há nas normas regulamentadoras aparente violação legal, nem criação de comandos normativos e genéricos.
Ou seja, diante da ausência de respeito às regras já previstas, não há que se falar em irregularidade na tentativa de apresentação de novos requisitos com o intuito de concretizar o disposto no artigo 5º, inciso I, e artigo 7º, inciso XXX, da Constituição Federal.
O que a indigitada lei exige é a publicação de relatórios semestrais, com o objetivo de possibilitar o planejamento, criação e fiscalização de políticas públicas voltadas à equiparação salarial.
As normas em nada versam sobre as obrigações trabalhistas já existentes de não discriminação salarial.
A fiscalização pelo descumprimento de cada uma de tais obrigações será realizado pelos órgãos com atribuição para cada caso, sem que a conclusão de uma instância invada a competência da outra, até porque os dados exigidos pelos dispositivos impugnados são genéricos e anonimizados.
Não havendo na lei indicação de quais informações seriam essas que permitam a comparação a ser realizada no Relatório de Transparência, cabe aos atos regulamentadores apresentá-los, sendo exatamente o que ocorre no presente caso pelo Decreto n. 11.795/23 e Portaria n. 3.714/23.
Assim, a determinação da maneira em que deve ser publicado o Relatório de Transparência, trazida por tais normas, apenas regulamenta a maneira com que as empresas devem cumprir com tal obrigação, não tendo sido esta criada pelos atos regulamentares.
Não houve, no caso em tela, a criação de nenhum novo direito ou obrigação, mas apenas e, tão somente, a orientação de expressar por quais canais a obrigação legal de publicação semestral do relatório pode ser feita, quais sejam, sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a efetividade da divulgação.
Quanto à alegação de desrespeito ao contraditório e ampla defesa, não há qualquer impedimento de que as empresas, nos mesmos meios em que deve publicizar o Relatório de Transparência, apresente notas explicativas complementares que justifiquem eventuais diferenças nos pagamentos dos salários que sejam identificados no indigitado relatório.
O próprio modelo do relatório contém seção sobre "elementos que podem explicar as diferenças verificadas".
Ou seja, há possibilidade de a própria empresa explanar as justificativas para eventuais disparidades nos pagamentos salariais apontados no Relatório de Transparência, que, ressalto, utiliza informações constantes em bases de dados que são preenchidos por informações fornecidas pelas próprias empresas (eSocial e Portal Emprega Brasil).
O autor impugna a utilização de cargos ou ocupações do empregador, contidos na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), mas ignora que o mesmo dispositivo regulamentar também leva em consideração a existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários; critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados; existência de incentivo à contratação de mulheres; identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.
Ainda, como já ressaltado anteriormente, a obrigação de não discriminação salarial já existe desde o início da vigência do art. 461 da CLT e já é rotineiramente fiscalizada pelos órgãos trabalhistas e alvo de reclamações na Justiça do Trabalho.
A nova sanção criada em nada se relaciona com a equiparação salarial, mas apenas com o descumprimento do dever de publicação dos relatórios semestrais.
Em todos os casos, qualquer sanção administrativa deve ser precedida do devido processo legal administrativo, do contraditório e da ampla defesa, de forma que não se verifica qualquer elemento na Lei nº 14.611/2023, no Decreto nº. 11.795/2023 e na Portaria MTE nº. 3.714/2023, que violem tais princípios.
Logo, em relação à alegação formulada pela empresa autora no sentido de que as penalidades administrativas serão impostas sem que tenha havido a possibilidade de o fiscalizado exercer seu direito ao contraditório e à ampla defesa, é importante salientar que eventual aplicação de penalidade somente ocorrerá após a fiscalização do Ministério Trabalho e Emprego, por meio de Auditores Fiscais do Trabalho, com a consequente instauração de auto de infração e abertura de prazo para que a empresa possa exercer o seu pleno direito de defesa, nos termos do art. 18, IV, X, art. 24 e 30 do Decreto nº 4.552/2002, bem como do art. 628 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Por fim, eventuais falhas ocorridas no início da implementação da política pública, bem como a evolução e readequação dos formulários às peculiaridades que foram observadas com o passar do tempo não eximem as empresas do cumprimento dos deveres legais e regulamentares.
A Administração Pública demonstrou até agora ter agido com razoabilidade e atenção a todas as preocupações levantadas, bem como ter prontamente corrigido ou adequado suas medidas às ocorrências apontadas.
A autora apontou tal ocorrência como forma de reforçar seus argumentos pretéritos, que já foram afastados por este Juízo nas razões e fundamentações da presente sentença.
Inclusive, o TRF/1ª Região, ao julgar os Agravos de Instrumento interpostos contra as decisões sobre as tutelas relacionadas a estes feitos, já vem negando ou revogando as tutelas determinando a suspensão das obrigações impugnadas pela autora: AI 10086120220244010000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON RAMOS; AI 1020961-37.2024.4.01.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FLAVIO JARDIM; AI 1013661-24.2024.4.01.0000, Relatora: DESEMBARGADORA FEDERAL ANA CAROLINA ROMAN.
CONSTITUCIONAL.
AGRAVO DE INSTRUMENTO.
DESIGUALDADE DE REMUNERAÇÃO EM RAZÃO DE GÊNERO.
EQUIPARAÇÃO SALARIAL.
LEI Nº 14.611/2023.
DECRETO Nº 11.795/23.
PORTARIA MTE Nº 3.714/23.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
LEGALIDADE.
TRANSPARÊNCIA SALARIAL E CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS.
NORMA QUE RESPEITA A PRIVACIDADE E OS DIREITOS DOS TRABALHADORES.
PLANO DE AÇÃO PARA MITIGAÇÃO DAS DESIGUALDADES.
OPORTUNIDADE PARA A ORGANIZAÇÃO CORRIGIR IRREGULARIDADES.
PROCESSO PRECEDIDO DE AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO. 1.
A competência cível da Justiça Federal é delimitada, objetivamente, em razão da efetiva presença da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes na relação processual. (STJ – AgRg no CC 142455/PB, Relator Min.
Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 08/06/2016, DJe: 15/06/2016). 2.
A controvérsia dos autos cinge-se na alegada obrigatoriedade imposta pelo Decreto nº 11.795/23 e pela Portaria do MTE nº 3.714/23, de que a agravante divulgue ao público os critérios remuneratórios da empresa, e as sanções decorrentes da inobservância dessas normas.
Competência da Justiça Federal reconhecida. 3.
A Lei 14.611/23, regulamentada pelo Decreto nº 11.795/23, bem como a Portaria do MTE nº 3.714/23, buscam eliminar, ou ao menos reduzir, as disparidades entre homens e mulheres, estabelecendo métodos de monitoramento para garantir a sua efetiva aplicação, com a implementação de sistemas de transparência salarial e critérios de remuneração, juntamente com a intensificação da fiscalização contra a disparidade salarial e critérios de remuneração entre gêneros, além da criação de canais específicos para receber denúncias de discriminação salarial. 4.
A norma em questão exige que as informações fornecidas permitam uma comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia por mulheres e homens.
Dessa forma, os relatórios de transparência salarial devem fornecer informações relevantes e precisas sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres, bem como sobre outras formas de desigualdade no local de trabalho, enquanto protegem a privacidade e os direitos dos trabalhadores. 5.
A Lei nº 14.611/2023 prevê requisitos específicos para a elaboração dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios, cuidando para que não seja violada a intimidade dos empregados.
Conforme o artigo 5º, tais relatórios devem conter dados que não permitam a identificação individual dos trabalhadores. 6.
O Decreto nº 11.795/2023, prevê, eu seu art. 2º, que os dados e informações constantes do relatório a ser apresentado pelas empresas devem ser anonimizados, ou seja, sem a informações que possam identificar o trabalhador ou trabalhadora, de forma a garantir a proteção dos dados pessoais. 7.
Não se verifica, assim, das informações a serem prestadas, qualquer violação à imagem ou à proteção de dados, uma vez que as informações extraídas dos sobreditos sistemas não permitem identificar os trabalhadores ou trabalhadoras e, em grande maioria, são informações já constantes de sistemas de informações.
Importante ressaltar que, quando trata da remuneração dos empregados, a Portaria refere-se a dados sem a correlação com pessoas específicas, mas sim consolidados e "separados por sexo, raça e etnia, com os respectivos valores do salário contratual e do valor da remuneração mensal" (art. 3º, I, c). 8.
Não foram trazidas aos autos evidências que demonstrem a existência de ação ou procedimento administrativo em andamento capazes de gerar dano real à agravante, aptos a justificar a alegação de impedimento de autuação da empresa e aplicação de multa administrativa.
Ademais, verifica-se que a aplicação de penalidade há de ser precedida do respectivo processo administrativo, em que serão oportunizados o direito à ampla defesa e ao contraditório, não se podendo supor a violação aos direitos da agravante sem que haja um ato concreto por parte da administração pública. 9.
Agravo de Instrumento a que se nega provimento.
Ante o exposto com base no art. 487, I, do CPC, resolvo o mérito e REJEITO OS PEDIDOS.
Revogo a tutela deferida na decisão de ID 2107222179.
Condeno a autora ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que fixo nos percentuais mínimos previstos nos incisos I a V do § 3º do art. 85 do CPC, calculados sobre o valor atualizado da causa, observando-se os limites das cinco faixas ali referidas, com respaldo no art. 85, § 4º, III e § 5º, do CPC.
Em caso de interposição de apelação, intime-se a parte contrária para apresentar contrarrazões.
Após, subam os autos ao TRF/1ª Região.
Sem recurso, certifique-se o trânsito em julgado e arquivem-se.
Intimem-se.
Brasília/DF, data da assinatura digital.
MÁRCIO DE FRANÇA MOREIRA Juiz Federal Substituto da 8ª Vara/DF -
28/03/2024 22:33
Recebido pelo Distribuidor
-
28/03/2024 22:33
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
28/03/2024
Ultima Atualização
29/04/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
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