TRF1 - 1034401-42.2025.4.01.3500
1ª instância - 9ª Goi Nia
Polo Ativo
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Assistente Desinteressado Amicus Curiae
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Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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01/07/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL Seção Judiciária de Goiás 9ª Vara Federal Cível da SJGO PROCESSO: 1034401-42.2025.4.01.3500 CLASSE: MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL (120) POLO ATIVO: JANINE CANDIDA BEZERRA FERREIRA REPRESENTANTES POLO ATIVO: NATALIA FORTES BEZERRA - PE41406 POLO PASSIVO:CEBRASPE e outros DECISÃO Trata-se de mandado de segurança, com pedido de tutela de urgência, impetrado por JANINE CÂNDIDA BEZERRA FERREIRA contra ato atribuído ao Coordenador da Comissão de Heteroidentificação do Concurso Público Nacional Unificado da Justiça Eleitoral, sob organização do CEBRASPE, referente ao cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa do TRE-GO.
A impetrante alega ter sido desclassificada injustificadamente na etapa de heteroidentificação, apesar de aprovada na fase de conhecimento.
Sustenta que o procedimento ocorreu de forma superficial, sem deliberação visível entre os membros da comissão e em desacordo com as regras previstas no edital.
Aponta que possui características fenotípicas compatíveis com a autodeclaração de parda, nos moldes do IBGE e do Estatuto da Igualdade Racial, tendo inclusive juntado fotos pessoais à petição inicial.
Argumenta que o ato administrativo é nulo por ausência de motivação e ofensa ao direito líquido e certo.
Pede tutela de urgência para figurar entre os aprovados na cota reservada e, ao final, requer a concessão da segurança para retificação do resultado final ou, alternativamente, a repetição do procedimento por comissão diversa. É o relatório.
Decido.
FUNDAMENTAÇÃO A concessão liminar da segurança exige a presença de elementos que demonstrem a probabilidade do direito líquido e certo invocado pelo impetrante (relevância do fundamento) e o fundado receio de ineficácia da medida, caso venha a ser concedida somente em sentença (periculum in mora), nos termos do art. 7.º, inc.
III, da Lei n.º 12.016/09.
No caso destes autos, não vislumbro a probabilidade do direito.
A questão posta em debate diz respeito à regularidade do ato de rejeição da autodeclaração da condição racial de candidato em concurso público, ou seja, se o procedimento ocorreu conforme previsão editalícia.
Passo, então, à análise do ato de rejeição da autodeclaração racial da autora.
A Lei 12.711/12, de 29 de agosto de 2012, a fim de estabelecer ações afirmativas, em seus artigos 1º, 3º e 7º determina a proporção de alunos a serem admitidos em instituições federais de ensino superior em decorrência de cotas sociais e étnicas.
Especificamente sobre o tema destes autos, o seu artigo 3º, na redação dada pela Lei 14.723/23, estabeleceu que: “Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e quilombolas e de pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).” Para concretizar essa determinação foi expedido o regulamento contido no Decreto n. 7.824/12, que, em seus artigos 2º e 9º, estabelece as diretivas para a fixação da proporção dessas cotas, sendo, em seguida, expedidas pelo Ministério da Educação as Portarias Normativas n. 18/12 e 09/17.
A Suprema Corte vem reconhecendo a constitucionalidade dessas ações afirmativas e, no âmbito da Ação Direta de Constitucionalidade nº 41, fixou a tese de que “é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa” (sem grifos no original).
Sobre esses critérios subsidiários de heteroidentificação, destaco o seguinte trecho do voto do Relator da ADC 41, Ministro Roberto Barroso: 64.
Não existem raças humanas sob o ponto de vista genético.
As diferenças que separam brancos e negros no aspecto do genótipo são insignificantes e puramente superficiais.
Como é natural, essa descoberta significativa da ciência não acabou com o racismo enquanto fenômeno social; apenas serviu para deixar ainda mais claro o quanto essa forma de menosprezo ao outro é cruel, arbitrária e autointeressada.
Essa questão já foi objeto de manifestação por parte do STF, que rejeitou a ideia de que a inexistência biológica de raças humanas teria tornado insubsistente o racismo e as demais formas de preconceito baseado no fenótipo ou em fatores correlatos Feita a observação, é preciso reconhecer que a definição de critérios objetivos para identificar os beneficiários de eventuais programas de cotas de viés racial esbarra em dificuldades variadas. 65.
Dentre todas as opções, a que parece menos defensável é o exame do genótipo, uma vez que o preconceito no Brasil parece resultar, precipuamente, da percepção social, muito mais do que da origem genética.
A partir desse ponto, porém, a eleição de determinado critério parece envolver avaliações de conveniência e oportunidade, sendo razoável que sejam levados em conta fatores inerentes à composição social e às percepções dominantes em cada localidade.
O sistema da autodeclaração, que tem sido adotado com maior frequência no país, apresenta algumas vantagens, sobretudo no que diz respeito à simplificação dos procedimentos e ao fato de se privilegiar a autopercepção, a partir do fenótipo – das características exteriores do organismo.
Ela encoraja, ainda, os indivíduos a assumirem a sua raça, contribuindo para o reconhecimento dos negros na sociedade brasileira.
Há, todavia, problemas associados a esse modelo.
Em especial, o risco de oportunismo e idiossincrasia, que poderia levar ao parcial desvirtuamento da política pública.
Esse fato foi apontado pelo Professor Daniel Sarmento, que afirmou que “é evidente que a inexistência de mecanismos de controle abre espaço para autodeclarações oportunistas, da parte de pessoas que não se consideram efetivamente pertencentes a grupos raciais historicamente discriminados” 66.
Atenta aos méritos e deficiências do sistema de autodeclaração, a Lei nº 12.990/2014 definiu-o como critério principal para a definição dos beneficiários da política.
Nos termos de seu artigo 2º, determinou que “[p]oderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos no ato da inscrição no concurso público, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”.
Porém, instituiu norma capaz de desestimular fraudes e punir aqueles que fizerem declarações falsas a respeito de sua cor.
Nesse sentido, no parágrafo único do mesmo artigo 2º, estabeleceu que “[n]a hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão ao serviço ou emprego público, após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”. 67.
Para dar concretude a esse dispositivo, entendo que é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas, para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados.
São exemplos desses mecanismos: a exigência de autodeclaração presencial, perante a comissão do concurso; a exigência de fotos; e a formação de comissões, com composição plural, para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração.
A grande dificuldade, porém, é a instituição de um método de definição dos beneficiários da política e de identificação dos casos de declaração falsa, especialmente levando em consideração o elevado grau de miscigenação da população brasileira. 68. É por isso que, ainda que seja necessária a associação da autodeclaração a mecanismos de heteroidentificação, para fins de concorrência pelas vagas reservadas nos termos Lei nº 12.990/2014, é preciso ter alguns cuidados.
Em primeiro lugar, o mecanismo escolhido para controlar fraudes deve sempre ser idealizado e implementado de modo a respeitar a dignidade da pessoa humana dos candidatos.
Em segundo lugar, devem ser garantidos os direitos ao contraditório e à ampla defesa, caso se entenda pela exclusão do candidato.
Por fim, deve-se ter bastante cautela nos casos que se enquadrem em zonas cinzentas.
Nas zonas de certeza positiva e nas zonas de certeza negativa sobre a cor (branca ou negra) do candidato, não haverá maiores problemas.
Porém, quando houver dúvida razoável sobre o seu fenótipo, deve prevalecer o critério da autodeclaração da identidade racial. (grifamos) Assim, a conjugação entre autodeclaração e heteroidentificação constitui não apenas uma estratégia legítima, mas uma exigência de coerência e efetividade para o fiel cumprimento dos objetivos constitucionais das ações afirmativas.
Em um contexto social como o brasileiro, em que a discriminação racial opera predominantemente pela percepção social do fenótipo, e não pela origem genética ou ancestralidade, torna-se imprescindível que a avaliação da condição racial do candidato leve em consideração os traços externos associados ao racismo estrutural, tais como cor da pele, textura do cabelo e traços faciais, entre outros, reconhecidamente utilizados, consciente ou inconscientemente, como marcadores de desigualdade e exclusão.
Nas situações em que se verifique zona de ambiguidade fenotípica, em razão da elevada miscigenação étnico-racial que caracteriza a população brasileira, o papel da banca de heteroidentificação torna-se especialmente relevante.
Tais bancas, quando corretamente compostas por membros plurais e capacitados, detêm expertise técnica e sensibilidade social para realizar a identificação baseada nos mesmos elementos perceptivos que historicamente ensejam o tratamento discriminatório da população negra. É por essa razão que o juízo técnico da comissão de heteroidentificação, formada para avaliar objetivamente os critérios fenotípicos relevantes, deve prevalecer sobre a impressão subjetiva do julgador, ainda que este esteja investido de autoridade jurisdicional.
O magistrado, embora competente para o controle de legalidade dos atos administrativos, não dispõe das mesmas condições materiais e técnicas da banca, nem tampouco da função de substituí-la em sua tarefa avaliativa.
Substituir a avaliação especializada da comissão por um juízo visual autônomo comprometeria tanto a legitimidade do procedimento quanto o próprio alcance da política pública.
Dessa forma, reafirma-se que a conjugação entre a autodeclaração e os mecanismos de heteroidentificação não apenas reforça os critérios de justiça distributiva subjacentes à política de cotas, como também assegura a sua efetividade prática e a proteção contra fraudes, respeitando-se, em todo o processo, os direitos fundamentais dos candidatos e os parâmetros do devido processo legal.
A atuação técnica e cuidadosa da banca de heteroidentificação, especialmente nas situações limítrofes, é expressão legítima da busca por um equilíbrio entre a identidade autodeclarada e a realidade social do racismo, cujos efeitos se manifestam, não pela genética, mas pela leitura social do fenótipo.
Desse modo, como regra, devem prevalecer as conclusões formuladas pela Comissão de Heteroidentificação, em razão de sua composição plural, expertise técnica e proximidade com os elementos objetivos de análise fenotípica, justamente para se evitar a substituição arbitrária de sua apreciação especializada por juízo meramente subjetivo do magistrado, alheio ao contexto procedimental e aos critérios técnicos empregados.
Tal presunção de legitimidade, entretanto, pode ser excepcionada nos casos em que houver dúvidas razoáveis e fundadas quanto às conclusões da comissão, seja em razão de incongruências na análise fenotípica, seja pela existência de elementos objetivos aptos a demonstrar a compatibilidade do candidato com os traços fenotípicos historicamente associados à população negra.
Nessa hipótese, admite-se a superação do parecer da banca, sobretudo quando houver manifestações de outros órgãos, instituições públicas ou instâncias administrativas que reconheçam a condição racial do candidato, revelando consonância entre sua autodeclaração e a percepção social de seu fenótipo.
No caso enfrentado nestes autos, a banca examinadora excluiu a autora da lista de cotas após o procedimento de hetereoidentificação.
A autora não juntou aos autos as razões da banca, nem informou sobre eventual resposta a recurso administrativo.
Porém, está claro que a comissão de hetereoidentificação considerou que a parte autora não possui características fenotípicas que permitam o seu enquadramento nas vagas reservadas aos candidatos negros (pretos e pardos).
Esse o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, conforme ementa abaixo transcrita: APELAÇÃO CÍVEL.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA.
ENSINO SUPERIOR.
MATRÍCULA.
SISTEMA DE COTAS.
COMISSÃO DE HETEROIDENTIFICAÇÃO.
NÃO HOMOLOGAÇÃO DA AUTODECLARAÇÃO DE PARDO.
LEGALIDADE.
APELAÇÃO DESPROVIDA. 1.
A Lei nº 12.711/2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio estabelece, em seu art. 3º, que "em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE". 2.
Ao analisar a questão relacionada a ações afirmativas fundadas na reserva de vagas a pessoas autodeclaradas negras, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADC nº 41, declarou a constitucionalidade da Lei nº 12.990/2014, que dispôs sobre a reserva de vagas para negros em concurso público, bem como de mecanismos para evitar fraudes pelos candidatos, e legitimou tanto a utilização da autodeclaração quanto o emprego de critérios supletivos de heteroidentificação (p. ex., a autodeclaração presencial perante a comissão do concurso, apresentação de foto, etc.), desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa. 3.
A banca examinadora, ao indeferir o recurso contra o resultado provisório no procedimento de verificação da condição declarada para concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros, avaliou, fundamentadamente, o candidato como não cotista, afastando a alegação de que o ato administrativo não está motivado. 4.
Não cabe ao Poder Judiciário, embasando-se em fotografias apresentadas pelas partes e sem a devida expertise, substituir a Comissão de Heteroidentificação, sob pena de adentrar no mérito administrativo. 5.
Critérios de ancestralidade, características físicas da parte autora em outros momentos da sua vida, laudo dermatológico particular e documentos em que se qualificou como pessoa parda mediante simples autodeclaração não são suficientes para elidir tal conclusão no presente caso. 6.
A parte autora não logrou êxito em demonstrar a existência de vício no ato que excluiu o candidato da lista de cotista do certame. 7.
Apelação desprovida. (AC 1018678-51.2023.4.01.3500, DESEMBARGADOR FEDERAL NEWTON PEREIRA RAMOS NETO, TRF1 - DÉCIMA-PRIMEIRA TURMA, PJe 24/09/2024 PAG.) (Destaquei.) Esse o cenário, ante a ausência de dúvida razoável e do estrito cumprimento das normas editalíciais e legais, não é permitido ao Poder Judiciário afastar-se das conclusões da comissão de heteroidentificação, razão pela qual o pedido de tutela de urgência deve ser indeferido.
Ante o exposto, INDEFIRO A MEDIDA LIMINAR.
DEFIRO a gratuidade judiciária.
INTIMAR as partes acerca desta decisão.
NOTIFICAR a autoridade para prestar informações, no prazo de 10 (dez) dias; DAR CIÊNCIA à representação judicial da parte impetrada para que, querendo, ingresse no feito.
INTIMAR o Ministério Público Federal – MPF, no prazo de 05 (cinco) dias, para dizer se pretende intervir.
Em caso positivo, a intimação ocorrerá em momento oportuno.
Apresentadas as informações, caso o MPF não pretenda intervir, CONCLUIR o processo para julgamento.
Goiânia (GO), data da assinatura eletrônica. (assinado eletronicamente) JUIZ FEDERAL -
20/06/2025 13:07
Recebido pelo Distribuidor
-
20/06/2025 13:07
Autos incluídos no Juízo 100% Digital
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20/06/2025 13:07
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
20/06/2025
Ultima Atualização
01/07/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
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