TJRN - 0840891-93.2024.8.20.5001
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Cornelio Alves
Processos Relacionados - Outras Instâncias
Polo Ativo
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Advogados
Nenhum advogado registrado.
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
-
29/08/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0840891-93.2024.8.20.5001 Polo ativo J.
F.
S.
D.
M.
Advogado(s): BRUNO HENRIQUE SALDANHA FARIAS Polo passivo UNIMED NATAL SOCIEDADE COOPERATIVA DE TRABALHO MEDICO Advogado(s): RODRIGO MENEZES DA COSTA CAMARA EMENTA: DIREITO DO CONSUMIDOR E DIREITO CIVIL.
APELAÇÃO CÍVEL.
PLANO DE SAÚDE.
CONTRATO DE ADESÃO.
CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO PARA TRATAMENTO DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA).
ABUSIVIDADE DA COBRANÇA SEM TETO MENSAL.
LIMITAÇÃO AO VALOR DA MENSALIDADE.
DANO MORAL.
NÃO CONFIGURAÇÃO.
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.
I.
CASO EM EXAME: Apelação cível interposta por beneficiário de plano de saúde, diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos iniciais.
O apelante busca a reforma da decisão para limitar a cobrança de coparticipação em seu tratamento multidisciplinar e contínuo ao valor equivalente a uma mensalidade do plano, alegando que a cobrança ilimitada inviabiliza o acesso à saúde.
II.
QUESTÃO EM DISCUSSÃO: A questão em discussão consiste em aferir a legalidade e a eventual abusividade da cláusula contratual que estabelece a cobrança de coparticipação sem um teto mensal para o tratamento contínuo de beneficiário com Transtorno do Espectro Autista (TEA), analisando se tal prática constitui um fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde.
III.
RAZÕES DE DECIDIR 1.
A relação jurídica entre a operadora de plano de saúde e o beneficiário é de consumo, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC), cujas normas complementam a legislação específica de planos de saúde para proteger o consumidor contra cláusulas abusivas. 2.
A cláusula contratual que prevê a coparticipação, embora lícita em tese, torna-se abusiva quando não estabelece um limite para a cobrança, violando os princípios da informação e da transparência, especialmente por estar disposta sem o devido destaque em um contrato de adesão. 3.
A cobrança de coparticipação em valor que supera significativamente a mensalidade do plano — no caso, quase quatro vezes o valor da contraprestação mensal — caracteriza um fator restritor severo ao acesso à saúde, inviabilizando a continuidade de tratamento essencial para o desenvolvimento do paciente com TEA. 4.
Conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a cobrança da coparticipação deve ser limitada ao valor da mensalidade paga pelo beneficiário, como forma de garantir o equilíbrio contratual e a dignidade do usuário, sem que isso caracterize o financiamento integral do procedimento pelo consumidor. 5.
A cobrança de valores excessivos, por si só, sem a demonstração de negativa de atendimento ou outra ofensa a direitos da personalidade, não ultrapassa a esfera do mero aborrecimento e não configura dano moral indenizável.
IV.
DISPOSITIVO E TESE 6.
Recurso parcialmente provido.
Teses de julgamento: 1.
A relação contratual entre operadora de plano de saúde e beneficiário submete-se às normas do Código de Defesa do Consumidor, permitindo a revisão judicial de cláusulas que se mostrem abusivas. 2. É abusiva a cláusula de coparticipação que, por não possuir teto mensal, impõe um ônus financeiro desproporcional ao consumidor e se converte em fator restritivo severo ao acesso a tratamento de saúde contínuo, violando a finalidade essencial do contrato. 3.
A cobrança de coparticipação em tratamentos contínuos deve observar, como parâmetro de razoabilidade, o limite máximo correspondente ao valor da mensalidade do plano de saúde paga pelo beneficiário. 4.
A cobrança de valores indevidos a título de coparticipação, sem a comprovação de negativa de cobertura ou grave ofensa a direitos da personalidade, constitui mero aborrecimento e não enseja a condenação por danos morais.
Dispositivos Relevantes Citados: Constituição Federal/1988, art. 5º, XXXVI.
Lei nº 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde), art. 16, VIII, e art. 35-G.
Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), art. 51, IV, e art. 54.
Resolução Normativa ANS nº 469/2021.
Jurisprudência Relevante Citada: STJ, Súmula nº 608.
STJ, REsp n. 2.001.108/MT, Rel.
Min.
Nancy Andrighi.
STJ, AgInt no REsp n. 2.085.472/MT, Rel.
Min.
Raul Araújo.
STJ, AgInt no REsp n. 1.962.568/SP, Rel.
Min.
Raul Araújo.
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima identificadas.
Acordam os Desembargadores que integram a 1ª Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, em Turma, à unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento, em parte, o recurso interposto, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO Trata-se de apelação cível interposta por J.
F.
S. de M., representado por sua genitora, Maria Edilma dos Santos, em face de sentença proferida pelo Juízo da 11ª Vara Cível da Comarca de Natal/RN que, analisando a controvérsia obrigacional indenizatória, ajuizada pelo autor em desfavor da Unimed Natal Sociedade Cooperativa de Trabalho Médico, julgou improcedentes os pedidos iniciais pelos termos do comando sentencial de Id. 29904738.
Sustenta em suas razões recursais, que: a) a cobrança de coparticipação em valores excessivos inviabiliza a continuidade do tratamento do apelante, que é portador de Transtorno do Espectro Autista (TEA), configurando uma afronta ao direito à saúde, previsto constitucionalmente, e ao princípio da dignidade da pessoa humana; b) a relação contratual deve ser interpretada à luz do Código de Defesa do Consumidor e dos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, sendo nulas as cláusulas que estabelecem desvantagens exageradas ao consumidor e ameaçam o equilíbrio contratual, como a que impõe uma coparticipação arbitrária e sem limites claros; c) a legislação específica, como a Lei nº 12.764/2012, garante à pessoa com TEA o acesso a atendimento multiprofissional e à atenção integral às suas necessidades de saúde, não podendo o plano de saúde impor barreiras financeiras que restrinjam severamente o acesso a esses serviços; d) a Resolução CONSU nº 08/98 veda expressamente a estipulação de coparticipação que caracterize o financiamento integral do procedimento pelo usuário ou se configure como um fator restritor severo ao acesso aos serviços de saúde, situação que se verifica no caso, dado o alto custo do tratamento contínuo; e) a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, embora considere a cláusula de coparticipação legal em princípio, reitera que sua aplicação se torna abusiva quando inviabiliza o tratamento ou representa o financiamento quase integral pelo beneficiário, tendo fixado como parâmetro razoável para a cobrança o valor equivalente a uma mensalidade e; f) o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, em casos análogos, já se posicionou pela necessidade de afastar a cobrança de coparticipação excessiva para garantir a continuidade de tratamentos de pessoas com TEA, a fim de evitar o desequilíbrio contratual em prejuízo do consumidor.
Requer, sob os argumentos, o provimento do apelo para, reformando-se a sentença, julgar procedentes os pedidos iniciais em todos os seus termos (Id. 29904742).
Contrarrazões apresentadas pela Unimed Natal ao Id. 29904744.
Intimado a se manifestar, o Órgão Ministerial opinou pelo conhecimento e provimento do recurso (Id. 31159523) É o relatório.
VOTO Presentes os pressupostos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, conheço do apelo.
Os apelos visam a reformar a sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida à inicial para permitir a cobrança da coparticipação prevista no contrato, desde que limitada, a cada mês, ao valor equivalente a uma mensalidade.
Inicialmente, cumpre destacar que a relação jurídica estabelecida entre as partes litigantes se caracteriza como de consumo, subsumindo-se às disposições protetivas contidas no Código de Defesa do Consumidor, assertiva corroborada, inclusive, pelo enunciado da Súmula nº 608 do Superior Tribunal de Justiça.
Esclareço que, embora o art. 35-G da Lei nº 9.656/1998[1] aponte para a subsidiariedade das disposições contidas na Lei no 8.078/1990 quanto as relações entre usuários e planos de saúde, a relação entre as duas leis é de complementaridade, de modo que o Código de Defesa do Consumidor, como lei geral e principiológico, garante direitos básicos do consumidor que devem ser observados em harmonia com as normas específicas trazidas pela Lei dos Planos de Saúde.
Assim, em caso de conflito normativo, a análise deve ser casuística, considerando-se a conformidade do conteúdo axiológico da norma de modo a priorizar a proteção do consumidor contra cláusulas abusivas, assim entendidas aquelas que agravem a condição de hipossuficiência do consumidor e acarretem desequilíbrio entre as partes.
Pontuo que em determinadas espécies contratuais, em razão do bem jurídico envolvido, essa liberdade contratual é mitigada – como é o caso dos contratos de planos de saúde.
Nesses casos, o juízo de conveniência dos contratantes é limitado pela legislação aplicável à espécie; devendo necessariamente observar, além dos termos contratuais, os limites e regras estabelecidos pelo Estado.
Registre-se, inicialmente, que aplicável ao caso o Código de Defesa do Consumidor, de modo que havendo cláusulas contratuais abusivas nessas típicas relações, nada obsta as suas revisões pelo Poder Judiciário.
Vê-se, pois, que em obediência ao art. 5° inciso XXXVI da CF/88, não há impedimento para revisioná-lo ou até mesmo declará-lo nulo, na hipótese de constatação de cláusulas leoninas que deixem o consumidor em situação que lhe seja por demais desfavorável, de acordo com o que dispõe o art. 51, IV, da Lei de nº 8.078/90.
Feitas as considerações iniciais, cinge-se a discussão em aferir a legalidade quanto a cobrança a título de coparticipação, sem limite a teto, para o tratamento contínuo e por prazo indeterminado do menor autor, com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista – TEA.
Com efeito, é cediço que a Lei nº 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, permite a cobrança de percentual de coparticipação do consumidor ou beneficiário, para custeio de despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica.
Vejamos: "Art. 16.
Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: (...) VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor ou beneficiário, contratualmente previstos das despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica".
Essa forma de contrato (com coparticipação) possibilita que ambas as partes, contratante e contratada, obtenham vantagens.
Enquanto há uma redução no valor da mensalidade que normalmente seria paga pelo consumidor, há também uma diminuição do risco para o plano de saúde, uma vez que o beneficiário passa a custear uma parte do tratamento ou procedimento médico, caso necessário.
Sobre a situação fática em análise, extrai-se que o contrato originário, firmado em maio/2021 (Id. 29904600) tinha como titular do plano de saúde a genitora do autor, e este como dependente.
Previa o instrumento contratual, no “item 9”, a possibilidade de cobrança de valor a título de coparticipação, estabelecendo como limitador mensal por beneficiário a quantia de R$ 120,00 (cento e vinte reais).
Por dificuldades financeiras em custear o plano para duas pessoas (titular e dependente), sustenta, a representante legal da criança, que teria procurado o plano de saúde apenas para mudar a titularidade, colocando como titular seu filho, J.
F.
S.
D.
M, que era dependente dela, solicitando, em decorrência, sua exclusão do plano.
Na ocasião, contudo, foi firmado novo instrumento contratual de adesão, de natureza individual, “Essencial Flex I Estadual PF C-E”, com novas cláusulas contratuais, cujo inteiro teor teria sido disponibilizado de forma virtual, por e-mail, ao contratante.
Em 27/11/2023, foi firmado aditivo contratual tendo por objeto apenas a alteração das carências previstas, mantendo-se na “Cláusula Segunda” as cláusulas previstas no contrato originário.
De fato, o contrato encaminhado ao e-mail do contratante prevê a cobrança de coparticipação no anexo I, ressalvando, em discreta observação de nota, que “Não há limitação de valor para cobrança mensal de coparticipação” (Id. 29904605 – página 34).
Embora o autor pretenda a limitação da cobrança dos encargos coparticipativos ao teto previsto no contrato que tinha como titular Maria Edilma dos Santos e dependente o autor, não há como acolher a tese recursal nos termos propostos. À espécie, além da impossibilidade de mudança de titularidade (sem a necessária celebração de novo instrumento), o contrato tinha natureza de coletivo de adesão, enquanto o firmado pelo autor é individual, com regramentos normativos, legais e contratuais distintos, não oponíveis, por óbvio, a criança, incapaz de compor vínculo profissional, classista ou setorial.
Tal circunstância não afasta, na análise dos termos contratados, a incidência dos valores protetivos do Código de Defesa do Consumidor e dos parâmetros axiológicos da boa-fé nas relações negociais.
A propósito, embora não exista ilegalidade na previsão e cobrança do valor de coparticipação, o Superior Tribunal de Justiça, ao enfrentar a matéria, consolidou o entendimento acerca da licitude da cobrança, desde que a obrigação esteja prevista contratualmente de forma clara e expressa e não caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou fator restritivo severo ao acesso aos serviços de saúde: AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
PLANO DE SAÚDE.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR.
SESSÕES EXCEDENTES AO LIMITE CONTRATUAL.
COPARTICIPAÇÃO.
POSSIBILIDADE.
AGRAVO INTERNO PROVIDO. 1.
Esta Corte de Justiça pacificou o entendimento de que não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, em percentual sobre o custo de tratamento médico realizado sem internação, desde que a coparticipação não caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços (- REsp 1.566.062/RS, Rel.
Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Terceira Turma, DJe de 1º/7/2016). 2.
Agravo interno provido."(STJ - AgInt no REsp n. 1.962.568/SP, relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 11/9/2023, DJe de 14/9/2023).
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL.
PLANO DE SAÚDE.
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA.
TRATAMENTO MULTIDISCIPLINAR.
COPARTICIPAÇÃO.
RESTRIÇÃO DE ACESSO À SAÚDE.
VEDAÇÃO.
SÚMULA 83/STJ.
AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1.
No caso, o Tribunal de origem entendeu que o percentual de coparticipação, adicionado a cada sessão das terapias realizadas pelo autor para o tratamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), indubitavelmente, inviabilizaria a continuidade da terapêutica, constituindo, assim, um fator restritivo de acesso ao serviço de saúde. 2.
Esta Corte de Justiça pacificou o entendimento de que não é abusiva cláusula contratual de plano privado de assistência à saúde que estabeleça a coparticipação do usuário nas despesas médico-hospitalares, desde que não inviabilize o acesso à saúde.
Incidência da Súmula 83/STJ. 3. À luz do Código de Defesa do Consumidor, devem ser reputadas como abusivas as cláusulas que nitidamente afetem, de maneira significativa, a própria essência do contrato, impondo restrições ou limitações aos procedimentos médicos, fonoaudiológicos e hospitalares, prescritos para doenças cobertas nos contratos de assistência e seguro de saúde dos contratantes, como é o caso dos autos. 4.
Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 2.085.472/MT, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 20/11/2023, DJe de 23/11/2023). (grifos acrescidos) Extrai-se, portanto, que para ser considerada lícita, a cláusula contratual que estabeleça o pagamento de coparticipação deve observar os seguintes condicionamentos: a) estar expressamente convencionada e que o dever de informação ao consumidor seja observado e; b) desde que o valor previsto não caracterize financiamento integral do procedimento por parte do usuário, ou fator restritor severo ao acesso aos serviços A exigência tem por objetivo impedir que o valor cobrado frustre a justa expectativa do usuário quanto ao acesso aos serviços de saúde.
Ao caso contudo, o convênio de saúde utiliza-se de estratégia sutil e pouco clara ao prever que os termos contratuais serão enviados por e-mail, obstando a plena ciência do aderente as condições específicas do contrato.
O termo de adesão, por si só, é extremamente genérico, e sequer chega a abordar a possibilidade e forma de cobrança do encargo de coparticipação.
Nos termos do art. 54 do CDC, as cláusulas limitativas de direito devem ser redigidas com clareza, destaque e em consonância com os princípios da transparência e informação, permitindo que o consumidor conheça, no momento da contratação, todas as limitações e riscos envolvidos na contratação, o que não foi observado no caso em específico.
No mais, é de se considerar ainda que o autor/apelante é criança diagnosticada com TEA, sendo certo que a Resolução Normativa nº 469/2021, da ANS, estabeleceu a cobertura obrigatória em número ilimitado de sessões com fonoaudiólogo, psicólogo ou terapeuta ocupacional, para pacientes com TEA.
No caso em exame, os valores cobrados a título de coparticipação inviabilizam a continuidade do tratamento do usuário.
Neste ponto, não se pode perder de vista que o objeto do contrato diz respeito à assistência à saúde, direito fundamental.
Desse modo, a manutenção da cobrança dos valores apresentados em fatura do plano de saúde representa verdadeiro óbice ao acesso da criança aos tratamentos médicos e terapêuticos contínuos e indispensáveis para a manutenção e evolução de seu diagnóstico.
Ou seja, a cobrança de coparticipação para o tratamento prescrito para a parte demandante, ora recorrente, nos moldes atuais, se mostra abusiva e caracteriza fator restritor severo ao seu tratamento.
Corroborando a abusividade da cobrança, no mês de maio/2024, o valor cobrado apenas a título de coparticipação (R$ 950,00) superou em quase 4 vezes o valor mensal do plano (R$ 252,54).
Desse modo, resta demonstrado pelo recorrente a necessidade do tratamento e a aparente inviabilização da sua realização em razão do excessivo valor cobrado por coparticipação.
Quanto ao limite de cobrança, o STJ entende que o encargo deve ter como limite máximo de 50% do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde, além de não ultrapassar, mensalmente, a contribuição paga pelo usuário atinente ao plano de saúde.
Confira-se: "RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL E COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL.
PROTOCOLO PEDIASUIT.
PROCEDIMENTO NÃO LISTADO NO ROL DA ANS.
COBERTURA PELA OPERADORA.
INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA DE COPARTICIPAÇÃO PARA ATENDIMENTO AMBULATORIAL.
ANÁLISE DA ABUSIVIDADE DO VALOR COBRADO PELA OPERADORA. 1.
Ação revisional de contrato c/c nulidade de cláusula contratual e compensação por dano moral ajuizada em 03/11/2017, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 22/02/2022 e concluso ao gabinete em 16/05/2022. 2.
O propósito recursal é dizer sobre a abusividade da cobrança de coparticipação pelo tratamento com o protocolo Pediasuit. (...) 5.
Como não há norma detalhando as condições para a utilização do fator moderador, a serem informadas ao usuário, deve ser considerada suficiente a discriminação prévia do percentual ou do valor devido para cada procedimento ou grupo de procedimentos e eventos em saúde sobre os quais incidirá a coparticipação - consultas, exames, atendimento ambulatorial, internação, etc. - tendo em conta o efetivamente pago pela operadora ao prestador do serviço. 6.
Para que a coparticipação não caracterize o financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou se torne fator restritor severo de acesso aos serviços, é possível aplicar, por analogia, o disposto no art. 19, II, b, da RN-ANS 465/2022, para limitar a cobrança "ao máximo de cinquenta por cento do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde". 7.
Com o fim de proteger a dignidade do usuário frente à incidência dos mecanismos financeiros de regulação, no que tange à exposição financeira do titular, mês a mês, é razoável fixar como parâmetro, para a cobrança da coparticipação, o valor equivalente à mensalidade paga, de modo que o desembolso mensal realizado por força do mecanismo financeiro de regulação não seja maior que o da contraprestação paga pelo beneficiário. 8.
Hipótese em que deve ser reformado o acórdão recorrido para manter a coparticipação, limitando o valor pago a cada mês pelo beneficiário ao valor da mensalidade, até a completa quitação, respeitado, quanto ao percentual cobrado por procedimento, o limite máximo de 50% do valor contratado entre a operadora de plano de saúde e o respectivo prestador de serviço. 9.
Recurso especial conhecido e provido em parte. (STJ - REsp n. 2.001.108/MT, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/10/2023, DJe de 9/10/2023.) Ao caso, conquanto a coparticipação incida sobre cada serviço utilizado pelo usuário, em percentual razoável (25%), é evidente que o custo mensal somado constitui fator restritor severo de acesso aos serviços, obstando o próprio tratamento terapêutico que lhe fora prescrito.
Quanto ao dano moral, sabe-se que o dano moral decorre da lesão a um bem integrante da personalidade, através da humilhação, do vexame e do desprestígio da pessoa no meio em que vive, ou seja, daqueles bens que não possuem caráter meramente patrimonial.
A propósito, apenas a negativa indevida de cobertura assistencial à saúde constitui mácula ao patrimônio subjetivo do usuário apta a ensejar compensação indenizatória pelo dano presumido moral, sendo esse, inclusive, o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça[2].
Frise-se, inclusive, que: "há situações em que existe dúvida jurídica razoável na interpretação de cláusula contratual, não podendo ser reputada ilegítima ou injusta, violadora de direitos imateriais, a conduta de operadora que optar pela restrição de cobertura sem ofender, em contrapartida, os deveres anexos do contrato, tal qual a boa-fé, o que afasta a pretensão de compensação por danos morais" (AgInt no AREsp n. 1.134.706/SC, Relator o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 23/11/2017).
Assim, para que se possa falar em dano moral, é preciso que a pessoa seja atingida em sua honra, reputação, personalidade ou dignidade, ultrapassando a esfera do mero aborrecimento.
Ao caso, a cobrança abusiva de valores exorbitantes durante o contrato, em que pese a possibilidade de causar um impacto financeiro, por si só não demonstra a existência de repercussão psicológico significativo ao consumidor.
Tal situação não passou de mero aborrecimento e incômodo, inexistindo ao caso qualquer negativa prestacional que lhe tenha impossibilitado de continuar com os tratamentos multidisciplinares.
Desta forma, entendo que a cobrança de valores indevidos, por si só, não sujeitou o consumidor a situações vexatórias, capazes de atentar contra seus direitos da personalidade, tendo gerado apenas aborrecimentos, os quais, reprise-se, não são hábeis e suficientes para caracterizar ofensa moral Logo, à míngua de provas de que a cobrança dos valores excessivos foi grave a ponto de causar ao autor ou à sua representante angústia, sofrimento, dor, ou algo que alcançasse o status de ofensa moral, não merecendo reforma o capítulo sentencial em específico.
Diante do exposto, conheço e dou provimento, em parte, ao recurso interposto pelo autor para, reformando-se o julgado de origem, determinar que o valor da taxa de coparticipação exigido pelo convênio de saúde não ultrapasse, mensalmente, a contribuição paga pelo usuário concernente ao serviço regular do plano de saúde (preço pré-estabelecido).
Com fundamento no art. 85, §2º do CPC, mantido o percentual arbitrado pelo Juízo de origem, redistribuo o ônus de sucumbência pela seguinte proporção: 40% a ser arcado pela Unimed Natal Sociedade de Cooperativa de Trabalho Médico e 60% pelo autor, suspensa sua exigibilidade, nos termos do §3º do art. 98 do mesmo Código Processual.
Considerando o provimento do apelo, ainda que parcial, deixo de aplicar o § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil, nos termos da orientação exarada no julgamento do AgInt nos EDcl no REsp nº 1.357.561/MG pelo Superior Tribunal de Justiça. É como voto.
Natal/RN, data de registro no sistema Desembargador Cornélio Alves Relator [1]Art. 35-G.
Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei as disposições da Lei no 8.078, de 1990. [2] AgInt no REsp: 1830726 SP 2019/0232481-4 Natal/RN, 19 de Agosto de 2025. -
15/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0840891-93.2024.8.20.5001, foi pautado para a Sessão HÍBRIDA (Presencial / videoconferência) do dia 19-08-2025 às 08:00, a ser realizada no Primeira Câmara Cível (Sala Híbrida).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 14 de agosto de 2025. -
06/08/2025 00:00
Intimação
Poder Judiciário do Rio Grande do Norte Por ordem do Relator/Revisor, este processo, de número 0840891-93.2024.8.20.5001, foi pautado para a Sessão VIRTUAL (Votação Exclusivamente PJe) do dia 18-08-2025 às 08:00, a ser realizada no Primeira Câmara Cível (NÃO VIDEOCONFERÊNCIA).
Caso o processo elencado para a presente pauta não seja julgado na data aprazada acima, fica automaticamente reaprazado para a sessão ulterior.
No caso de se tratar de sessão por videoconferência, verificar o link de ingresso no endereço http://plenariovirtual.tjrn.jus.br/ e consultar o respectivo órgão julgador colegiado.
Natal, 5 de agosto de 2025. -
19/05/2025 15:38
Conclusos para decisão
-
16/05/2025 09:00
Juntada de Petição de outros documentos
-
12/05/2025 09:55
Expedição de Outros documentos.
-
12/05/2025 09:06
Proferido despacho de mero expediente
-
14/03/2025 18:22
Recebidos os autos
-
14/03/2025 18:22
Conclusos para despacho
-
14/03/2025 18:21
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
14/03/2025
Ultima Atualização
03/09/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Outros documentos • Arquivo
Acórdão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Sentença • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
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