TRF1 - 1008155-33.2025.4.01.0000
2ª instância - Câmara / Desembargador(a) Gab. 18 - Des. Fed. Joao Carlos Mayer
Polo Passivo
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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14/03/2025 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO Tribunal Regional Federal da 1ª Região 1008155-33.2025.4.01.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) - PJe AGRAVANTE: GUILHERME ALBERTO GUIMARAES SOUTO Advogados do(a) AGRAVANTE: FRANCISCO DE ASSIS SOUZA COELHO FILHO - MA3810-A, FRANCISCO DE ASSIS SOUZA COELHO NETO - MA25443, SONIA MARIA LOPES COELHO - MA3811-A AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL e outros (2) RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JOAO CARLOS MAYER SOARES D E C I S Ã O Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto pela parte impetrante de decisão (fls. 264/267) em que foi indeferida a liminar para “assegurar a [...] matrícula no programa de residência médica em Psiquiatria no Instituto Bairral de Psiquiatria (Fundação Espírita Américo Bairral)” (fl. 264).
Na peça recursal (fls. 03/24), o impetrante agravante alega: “a) foi aprovado na Seleção Pública para Residência Médica 2025, promovida pelo Governo do Estado de São Paulo; b) optou pelo Instituto Bairral de Psiquiatria; c) foi impedido de efetivar sua matrícula sob o argumento de que já havia extrapolado o limite de residências médicas previsto na Resolução n. 2/2005 da CNRM, que determina o máximo de 2 por profissional; d) tal negativa viola seus direitos constitucionais, dentre eles o de livre exercício profissional e de acesso à educação continuada” (fl. 05); e) “a decisão agravada não valorou que a Resolução é um ato administrativo editado pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), órgão vinculado ao Ministério da Educação, não possuindo, portanto, o caráter de lei formal.
Desta forma, a imposição da referida limitação ultrapassa claramente os limites da competência regulamentar do órgão administrativo, infringindo o princípio da legalidade estrita” f) “[f]ora menosprezado pelo juízo de base que um dos poderes atribuídos à Administração Pública consiste no Poder Regulamentar, o qual é exercido pelo Chefe do Poder Executivo.
Por meio dele, são editadas normas visando à fiel execução das leis (art. 84, IV, da CF).
Mas essa não é a única forma de manifestação do poder normativo da Administração, que também compreende a edição de outros atos normativos, como é o caso, por exemplo, das resoluções.
Em todas essas hipóteses, o ato normativo não pode inovar no ordenamento jurídico.
Isto é, não pode, por exemplo, impor obrigações ou penalidades não previstas em lei, sob pena de violação ao art. 5º, II e 37, caput, da CF” (fls. 08 e 09); g) “[a] jurisprudência tem reiteradamente afastado limitações arbitrárias impostas por resoluções administrativas quando estas extrapolam sua função regulamentar e criam barreiras indevidas ao exercício profissional sem amparo legal.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) já decidiu que atos administrativos não podem restringir direitos garantidos constitucionalmente sem expressa previsão legal, pois tal prática viola o princípio da legalidade e da isonomia” (fl. 15); h) “[a] escorreita jurisprudência vem reforçando que os conselhos e órgãos de regulamentação profissional não podem criar exigências adicionais ao livre exercício da profissão sem expressa previsão legal, pois tais limitações configuram ofensa ao princípio da legalidade e ao direito ao trabalho.
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), ao analisar restrições indevidas impostas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), decidiu que atos normativos infralegais não podem inovar no ordenamento jurídico ao ponto de restringir direitos fundamentais sem respaldo legislativo” (fl. 16); i) “destaca-se que o magistrado de base não observou que a própria CNRM já flexibilizou restrições semelhantes em situações específicas, garantindo a matrícula de médicos que enfrentaram obstáculos administrativos para continuar sua formação.
A análise da Ata da 4ª Reunião Ordinária da CNRM revela que a comissão, em diversas ocasiões, reavaliou suas próprias normativas e afastou restrições que se mostraram desproporcionais ou desarrazoadas, reconhecendo que situações individuais podem demandar um tratamento diferenciado e mais justo” (fl. 19); j) “nos termos do Art. 300 do Código de Processo Civil, a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
No caso em questão, tais requisitos estão plenamente caracterizados, uma vez que o agravante, selecionado para a Residência Médica, teve sua matrícula impedida, sob a alegação de suposta violação à resolução do CNRM, o que resultou na desabilitação de sua vaga, sendo que a nova chamada está prevista para o dia 10.03.2025 (segunda-feira)” (fl.22).
Donde pugna pela concessão de “efeito ativo – deferindo-se a tutela de urgência (art. 300 CPC), para permitir a imediata matrícula/acesso do agravante Guilherme Alberto Guimarães Souto, na residência médica junto ao instituto Bairral de psiquiatria (fundação espírita Américo Bairral)” (fl. 23). É o relatório.
Decido.
Conquanto aprovado no processo seletivo para residência médica na área de psiquiatria, o impetrante agravante teve a matrícula indeferida ao fundamento de que, nos termos da Resolução 2/2005, da Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), é permitido ao médico cursar no máximo 02 (duas) residências médicas, limite que ele já teria atingido.
Na decisão agravada, o magistrado considerou legal o regulamento, aos seguintes fundamentos: a) a limitação está em consonância com previsão do Decreto-Lei 4.113/42, “que proíbe o anúncio do exercício de mais de 2 especialidades médicas” (fl. 265); b) “tudo indica [...] que a vedação de um mesmo profissional cursar mais de dois programas de residência médica [...] tem como fim social oportunizar a um maior número de pessoas o acesso aos aludidos programas”, vez que “os cursos de graduação têm oferta de vagas nitidamente superior à dos cursos de pós graduação/residência médica, de modo que, se é necessário garantir o acesso aos cursos de graduação ao maior número de pessoas possível, com maior razão deve a regra ser estendida aos cursos de pós graduação/residência médica, para que mais cidadãos tenham acesso a tal nível de ensino, dando-se, com mais efeito, eficácia ao direito de educação para todos” (fl. 265).
Pois bem.
A Lei 6.932/81, que dispõe sobre a residência médica, não limita o número de especializações a que o médico pode se submeter.
A Comissão Nacional de Residência Médica, órgão consultivo do Ministério da Educação (Decreto 7.562/2011 e Decreto 11.999/2024), é que, mediante regulamento (Resolução 2/2005), limitou em duas as residências médicas: Art. 56. É vedado ao médico residente repetir programas de Residência Médica, em especialidades que já tenha anteriormente concluído, em instituição do mesmo ou de qualquer outro Estado da Federação. §1º.
A menos que se trate de pré-requisito estabelecido pela Comissão Nacional de Residência Médica, é vedado ao médico residente realizar programa de Residência Médica, em mais de 2 (duas) especialidades diferentes, em instituição do mesmo ou de qualquer outro Estado da Federação. §2º. É permitido ao Médico Residente cursar apenas 01 (uma) área de atuação em cada especialidade.
Vejamos.
Não se pode deixar de pontuar que “[o] princípio da reserva de lei atua como expressiva limitação constitucional ao poder do Estado, cuja competência regulamentar, por tal razão, não se reveste de suficiente idoneidade jurídica que lhe permita restringir direitos ou criar obrigações.
Nenhum ato regulamentar pode criar obrigações ou restringir direitos, sob pena de incidir em domínio constitucionalmente reservado ao âmbito de atuação material da lei em sentido formal.
O abuso de poder regulamentar, especialmente nos casos em que o Estado atua 'contra legem' ou 'praeter legem', não só expõe o ato transgressor ao controle jurisdicional, mas viabiliza, até mesmo, tal a gravidade desse comportamento governamental, o exercício, pelo Congresso Nacional, da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, inciso V, da Constituição da República e que lhe permite 'sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar [...]” (cf.
STF, ACO 1.048-QO/RS, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Celso de Mello, DJ 31/10/2007).
Nessa forma de pensar, resta claro que, para que a matéria seja passível de regulamentação, deverá a lei delinear, minimamente, a moldura geral a ela aplicável, delimitando os parâmetros mínimos a serem posteriormente disciplinados, em maiores detalhes, pelo Poder Executivo, sob pena de se operar delegação ampla e irrestrita.
De sorte que o diálogo com o regulamento deve-se dar em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade.
Desacompanhada desse imprescindível balizamento, a atuação da Administração e de suas agências reguladoras incorrerá, inevitavelmente, em inovação quanto a direitos e deveres, desbordando da sua competência de atuação.
No tema, confiram-se os seguintes julgados do STF: RE 677.725/RS, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Luiz Fux, DJ 16/12/2021; RE 838.284/SC, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Dias Toffoli, DJ 22/09/2017; RE 704.292/PR, Tribunal Pleno, da relatoria do ministro Dias Toffoli, DJ 03/08/2017.
Em idêntica direção se insere a jurisprudência emanada da nossa Corte Federativa, conforme exsurge, exemplificativamente, dos seguintes precedentes: REsp 1.969.812/MG, Terceira Turma, da relatoria da ministra Nancy Andrighi, DJ 21/03/2022; REsp 1.728.308/SP, Segunda Turma, da relatoria do ministro Herman Benjamin, DJ 25/05/2018; EDcl nos EDcl no RMS 25.117/SC, Sexta Turma, da relatoria do ministro Nefi Cordeiro, DJ 08/10/2015; AgRg nos EDcl no RMS 24.412/SC, Sexta Turma, da relatoria do ministro Nefi Cordeiro, DJ 1.º/10/2015; EDcl no AgRg no REsp 1.101.342/PR, Primeira Turma, da relatoria do ministro Benedito Gonçalves, DJ 14/12/2009.
No caso, conforme bem lançado na decisão agravada, é pública e notória a defasagem entre o número de formandos nos cursos de medicina e o número de vagas disponibilizadas para residência médica.
Entrementes, a indagação que surge, de plano, é a seguinte: presente a defasagem, por que o limite não é uma única especialização? Por que duas e não três ou quatro? Existiria uma segura proporcionalidade, no exame da defasagem de vagas, a determinar o quantitativo ideal de restrição? Por que, sendo o processo seletivo de natureza meritória, não há deferimento de bônus para o candidato à primeira especialização? E mais.
Também é público e notório não ser a especialização requisito para o exercício da profissão.
Isso quer dizer que o sistema, por si só, desenvolveu mecanismo capaz de evitar que “dificuldades” ao acesso ao mais elevado grau de ensino comprometessem a “eficácia ao direito de educação para todos”.
Seguindo-se, se a norma, com efeito, veda a divulgação, pelo profissional, de que possui mais de 2 (duas) especialidades, não diz quais, entre as mais de 2 (duas), podem ser divulgadas.
Essa limitação na divulgação não retira, de per se, portanto, o interesse do impetrante agravante em cursar a terceira residência médica, vez que poderá divulgá-la (isoladamente ou com mais outra), se assim lhe convier.
Nesse ponto, é necessário destacar, a propósito, ser razoável o raciocínio de que a limitação na divulgação não tem como finalidade garantir acesso “igualitário” às especializações.
Não se trataria de política de ensino, propriamente dita.
Isso porque a limitação da quantidade de especializações parece, mesmo ao senso comum, ser diretriz de ética profissional.
Visaria o regramento a impedir que a multiplicidade de especialidades fosse (seja) utilizada para dominação de mercado.
Tudo isso sopesado, o princípio da legalidade impõe seja a regra do regulamento da Comissão interpretada como uma referência, que, na espécie, por ausência de adensamento (não há elementos que permitam aferir, por exemplo, a razoabilidade da limitação, consideradas a concorrência e a oferta de vagas no caso concreto), é afastada, sem qualquer prejuízo de legitimidade.
São relevantes, portanto, os fundamentos da impetração.
O risco de ineficácia do provimento, se deferido somente ao final, existe, haja vista o contínuo do processo de seleção. À vista do exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal, a fim de que se proceda à matrícula do impetrante agravante na residência médica.
Comunique-se ao juízo de origem para imediato cumprimento.
Dê-se vista à parte agravada para, querendo, apresentar resposta, no prazo de 15 (quinze) dias (CPC/2015, art. 1.019, inciso II).
Dê-se vista, ainda, ao Ministério Público Federal (Lei 12.016/2009, art. 12).
Publique-se.
Intimem-se.
Cumpra-se.
Brasília/DF, 13 de março de 2025.
Juiz Federal MATEUS BENATO PONTALTI Relator Convocado -
11/03/2025 15:59
Recebido pelo Distribuidor
-
11/03/2025 15:59
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
11/03/2025
Ultima Atualização
14/03/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
DECISÃO • Arquivo
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