TJRN - 0816626-03.2024.8.20.5106
1ª instância - 2ª Vara Criminal da Comarca de Mossoro
Assistente Desinteressado Amicus Curiae
Movimentações
Todas as movimentações dos processos publicadas pelos tribunais
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05/06/2025 09:20
Juntada de Certidão
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06/03/2025 11:35
Juntada de Certidão
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19/02/2025 19:09
Outras Decisões
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19/02/2025 19:09
Processo Suspenso ou Sobrestado por Incidente de Insanidade Mental
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17/02/2025 08:41
Conclusos para decisão
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17/02/2025 06:20
Juntada de Petição de manifestação do mp para o juízo
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10/02/2025 08:49
Expedição de Outros documentos.
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05/02/2025 15:54
Proferido despacho de mero expediente
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05/02/2025 14:01
Conclusos para despacho
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05/02/2025 13:59
Expedição de Certidão.
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01/02/2025 03:45
Decorrido prazo de MPRN - 08ª PROMOTORIA MOSSORÓ em 31/01/2025 23:59.
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01/02/2025 00:25
Decorrido prazo de MPRN - 08ª PROMOTORIA MOSSORÓ em 31/01/2025 23:59.
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07/01/2025 13:15
Juntada de Petição de petição
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12/12/2024 17:22
Expedição de Outros documentos.
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12/12/2024 14:37
Proferido despacho de mero expediente
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06/12/2024 20:33
Publicado Intimação em 07/11/2024.
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06/12/2024 20:33
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 06/11/2024
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03/12/2024 09:44
Conclusos para decisão
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02/12/2024 07:18
Juntada de Petição de manifestação do mp para o juízo
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30/11/2024 00:25
Decorrido prazo de MPRN - 08ª Promotoria Mossoró em 29/11/2024 23:59.
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07/11/2024 14:24
Publicado Intimação em 07/11/2024.
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07/11/2024 14:24
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 06/11/2024
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07/11/2024 14:24
Disponibilizado no DJ Eletrônico em 06/11/2024
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06/11/2024 14:37
Juntada de Petição de manifestação do mp para o juízo
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06/11/2024 00:00
Intimação
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de Mossoró , 355, MOSSORÓ - RN - CEP: 59625-410 Contato: (84) 36739915 - Email: [email protected] Processo: 0816626-03.2024.8.20.5106 AUTOR: MPRN - 09ª PROMOTORIA MOSSORÓ REU: ROSANE FRANCISCA FELIPE SANTIAGO DECISÃO INTERLOCUTÓRIA Vistos, etc.
Trata-se de Ação Penal proposta para apurar os crimes previstos nos arts. 129,§13, 147-B e 147-A, §1º, II, todos do Código Penal, supostamente praticado por ROSEANE FRANCISCA FELIPE SANTIAGO em face de CARLA RONELLE DE SOUZA FELIPE.
Citada, a denunciada apresentou resposta à acusação através de sua defesa constituída, alegando preliminarmente a incompetência deste Juizado especializada, aduzindo que as partes não compõem o mesmo núcleo familiar desde o ano de 2022, bem como alegou outras preliminares.
Abriu-se vistas ao Ministério Público, que opinou pelo acolhimento da preliminar de incompetência, e requereu a remessa dos autos a uma das Varas Criminais não especializadas.
Após, o Advogado da vítima requereu habilitação nos autos como assistente de acusação, e requereu o reconhecimento da competência deste Juizado.
Abriu-se vistas ao Ministério Público para se manifestar acerca do pedido de habilitação da defesa como assistente de acusação, que devolveu os autos sem manifestação, ratificando o pedido de declaração de incompetência deste Juízo. É o que importa relatar.
Fundamento e decido.
A competência deste Juízo para conhecer, processar e julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, bem como medidas protetivas e demais pedidos relacionados, encontra-se delineada no art. 5º da Lei nº 11.340/06, in verbis: Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.
Parágrafo único.
As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Para que esteja configurada a violência doméstica ou familiar, nos termos do referido dispositivo não é necessário somente que a ação ou omissão seja baseada no gênero e cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial.
Além disso, é imprescindível que os atos omissivos ou comissivos de violência ocorram na unidade doméstica ou em ambiente familiar ou, ainda, que seja decorrente de uma relação íntima de afeto, ou seja, para que este tipo de violência de gênero esteja caracterizado é preciso que aconteça nos limites de uma dessas três condições.
Lembremos, apenas, que não é necessário que as três situações coexistam para que esteja configurada a violência doméstica e familiar contra a mulher, bastando a ocorrência apenas de uma condição.
Ressalta-se que embora tenha havido alteração recente na Lei Maria da Penha, com a promulgação da Lei 14.550/23, a qual, dentre as alterações, inseriu o art. 40-A, à Lei Maria da Penha, que dispõe: "Art. 40-A.
Esta lei será aplicada a todas as situações previstas no art. 5º., independentemente da causa ou motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida.”, não houve alteração no art. 5º, retirando o trecho "baseada no gênero", o que demonstra uma contradição dentro de um mesmo dispositivo legal, podendo incorrer em diversas interpretações da lei.
Ademais, se faz importante refletir que se não analisarmos a presença da motivação de gênero nos casos que envolvem violência doméstica e familiar, podemos desvirtuar o objetivo principal da Lei Maria da Penha, que é garantir a celeridade processual nesses casos, de modo que além dos inúmeros casos que se processam no presente juizado especializado, teríamos que julgar todos os processos encaminhados que ocorrerem no ambiente doméstico, familiar e nas relações de afeto, mas sem a presença da motivação de gênero, o que causará uma superlotação, trazendo prejuízos à celeridade processual esperada dessa vara especializada.
Destaca-se que na Comarca de Mossoró/RN, há apenas um único Juizado Especializado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, ao passo que existe três Varas criminais não especializadas e cinco Juizados Especiais Criminais.
Sobre o assunto, Valéria Diez Scarance Fernandes e Rogério Sanches Cunha1 trazem uma importante contribuição: Com o advento no artigo 40-A, inserido pela Lei 14.550/23, o que determinará a aplicação da Lei Maria da Penha é um fator objetivo – contexto afetivo, doméstico e familiar -, presumindo, nesses ambientes, a violência de gênero (preconceito, menosprezo ou discriminação quanto ao gênero feminino).
Prevê a Lei: Art. 40-A.
Esta lei será aplicada a todas as situações previstas no art. 5º., independentemente da causa ou motivação dos atos de violência, ou da condição do ofensor ou da ofendida.” A redação vai despertar debates, tais como: a presunção anunciada no referido artigo é relativa ou absoluta? Embora a quase totalidade dos casos de violência no contexto doméstico tenha um viés de gênero, já que o machismo e a discriminação integram o inconsciente coletivo, é possível ocorrer uma situação excepcional em que uma violência comum apenas “migrou” para o contexto doméstico.
Como existem consequências criminais, não se pode ignorar que, mesmo excepcionalmente, pode ocorrer uma infração penal em contexto doméstico que não seja direcionada ou não atinja mais diretamente a mulher.
Diante desse quadro, por cautela, sugere-se reconhecer que se trata de presunção relativa (juris tantum).
Ao reconhecer a presunção relativa, o legislador estabelece que determinada situação é considerada verdadeira e só pode ser afastada diante de provas em contrário.
Em outras palavras, trata-se de uma presunção de que a violência nesses contextos é uma violência de gênero, salvo quando ocorrer a demonstração inequívoca de que aquele ato não atingiu ou visou a vítima mulher.
O ônus da prova cabe ao agressor (fato modificativo), que não poderá trazer aos autos elementos impertinentes e estranhos ao processo ou que importem em violação da intimidade ou vida privada para afastar competência (Lei Mari Ferrer, art. 400-A CPP).
A autoridade judiciária, em razão do princípio da proteção e da vulnerabilidade da mulher nesse contexto, não poderá afastar a incidência da lei com base em entendimentos pessoais, mas somente – e excepcionalmente, repita-se – quando houver provas aptas a afastar uma presunção legal.
Inclusive, nos crimes envolvendo violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar, a investigação, ab initio, deve encarar que o fato foi cometido em situação de violência de gênero.
O entendimento pela presunção absoluta (e não relativa, como sustentamos) poderia levar a uma aplicação muito abrangente (e intransigente) da norma, desvirtuando o espírito de proteção da mulher e causando uma indevida migração de processos comuns aos Juizados de Violência Doméstica, que necessitam de agilidade para deferir medidas e outras providências e desta forma prevenir os feminicídios.
Para reforçar nossa posição, citamos alguns casos – reais – antes submetidos a um Juízo Comum e que seriam encaminhados ao Juizado de Violência Doméstica caso adotado o entendimento da presunção absoluta: a filha, mediante fraude, simula um sequestro para que seja pago resgate por seus genitores; traficante guarda drogas em sua residência e intimida todos os familiares (homens e mulheres) para que não o denunciem; integrante de organização criminosa especializada em lavagem de dinheiro usa o nome de empregada doméstica para ocultar bens sem que ela saiba.
Nesses casos, o gênero da genitora, das familiares mulheres e da funcionária não foram determinantes.
Essa discussão tem um aspecto prático, de caráter processual, importante.
Adotada a tese da presunção absoluta, feitos envolvendo crime contra mulher no ambiente doméstico e familiar em que não foi detectada a violência de gênero serão imediata e automaticamente encaminhados para a Vara da Violência Doméstica e Familiar, quando não encerrada instrução (princípio da identidade física do juiz).
Esse superlotação vai trazer prejuízos, notadamente na celeridade processual que se espera de uma vara especializada.
A duração razoável do processo é não somente importante para os réus, como também para as vítimas.
No contexto de violência afetiva, doméstica e familiar a agilidade do processo é fundamental.
Vale destacar o que foi decidido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso BARBOSA DE SOUZA vs.
BRASIL[12] “A Corte indicou que o direito de acesso à justiça em casos de violações aos direitos humanos deve assegurar, em tempo razoável, o direito das supostas vítimas ou de seus familiares a que se faça todo o necessário para conhecer a verdade sobre o ocorrido e investigar, julgar e, se for o caso, sancionar os eventuais responsáveis.
Outrossim, uma demora prolongada no processo pode chegar a constituir, por si mesma, uma violação às garantias judiciais” (grifo nosso).
Por fim, alertamos que, da mesma forma que se determina o foro prevalente nos casos de conexão e continência em razão da maior gravidade, complexidade ou especialidade, também nos crimes contra a mulher o juízo prevalente não pode ser ignorado, independentemente da corrente que se adota (presunção absoluta ou relativa da violência de gênero).
Contudo, só haverá unificação de processos se os crimes tiverem vínculo estreito com a infração contra a mulher.
Para ficar mais claro o que estamos afirmando, vamos nos socorrer de uma situação hipotética, mas que coincide com inúmeros casos do dia a dia forense.
Imaginemos um crime de tortura praticado por membros de uma organização criminosa em face de um agente “desertor”.
Durante a tortura, a esposa do desertor clama por piedade e é ameaçada pelo líder da organização, seu irmão.
Há, assim, vínculo família.
Esses crimes (organização criminosa, tortura e ameaça) vão ser julgados na Vara da Violência Doméstica e Familiar? Óbvio que não.
Deve ser determinado o desmembramento em relação às infrações penais que não tiverem um vínculo estreito com a condição de mulher da vítima (art. 80, parte final do CPP). (...) Realizadas tais considerações, passo à análise do caso.
No presente caso, narra-se a ocorrência de agressões físicas, violência psicológica e perseguição supostamente praticada pela denunciada, Rosane Francisca Felipe Santiago, em face da vítima Carla Ronelle de Souza Felipe.
A vítima narrou em sede policial que estava na lanchonete Fit Lounge quando sua ex-cunhada, Roseane, sentou ao redor da sua mesa e passou a provocá-la em voz alta, desferiu um tapa em seu braço, tapas, e socos, lhe arranhou e puxou seu cabelo.
Afirmou que Rosane vem lhe perseguindo nas redes sociais, onde posta ofensas, provocações e ameaças.
Relatou que se sente perseguida, precisando de tratamento psicológico em decorrência disso (Termo de declarações - ID 126312937-págs. 9 - 10).
Consta no inquérito laudo pericial atestando lesões de natureza leve na vítima (ID 126312937-págs.13-15).
A denunciada, por sua vez, em seu interrogatório na delegacia, negou ter perseguido a vítima.
Aduziu que Carla, após se separar do seu irmão, Manoel Felipe, passou a todo custo a querer tomar o patrimônio dele.
Relatou que Carla lhe atacava e provocava nas redes sociais.
Confirmou ter ido no Espaço Fit Lounge, onde se deparou com Carla, oportunidade em que resolveu tirar satisfações sobre as provocações que vinha sofrendo.
Narrou que durante a conversa Carla desferiu dois tapas em sua coxa e apontou o dedo, dizendo: "quem você pensa que é?", e a discussão evolui para vias de fato de ambas as partes.
Declarou que não tem recordações exatas da dinâmica dos fatos, pois estava sob efeitos de remédios controlados.
Aduziu ter ficado com lesões no braço e no pescoço em razão do conflito (Termo de qualificação e interrogatório- ID 126312937-págs. 30-31)..
Consta no inquérito laudo pericial realizado na denunciada, atestando lesões de natureza leve (ID 126312937-págs. 24-25).
Além do depoimento da vítima e da denunciada, há depoimentos das testemunhas, Angela Merice Fernandes Durand, Maria Erivania de Oliveira (babá na casa de Rosane), das irmãs da denunciada (Rosangela Maria Santiago, Solange Maria Felipe da Silva) e do irmão da denunciada e ex-marido da vítima, Manoel Felipe Neto, sendo o depoimento deste último fundamental para compreensão da natureza do conflito entre as partes.
Manoel Felipe Neto relatou que foi casado com Carla por doze anos, estando separados há três anos.
Afirmou que Rosane nunca teve uma boa relação com Carla; que acredita que a irmã tomou suas dores da separação, se agravando a relação conflituosa das duas.
Narrou que possui um boa relação com a ex-esposa; que não tem informações de que Carla e Rosane estivessem uma perseguindo a outra em redes sociais; que no dia 13/05/2024 recebeu uma ligação de Carla comunicando que havia sido agredida por Rosane.
Ao se analisar o depoimento da vítima, da denunciada e das testemunhas, nota-se que as partes não coabitavam na mesma unidade doméstica, estando, assim, afastada a incidência do inciso I, do art. 5º, da Lei Maria da Penha.
Quanto ao disposto no inciso II, do art. 5º, da Lei Maria da Penha verifica-se que as partes encerraram o vínculo familiar no ano de 2022, quando a vítima se divorciou do irmão da denunciada, de modo que não possuem relação familiar a justificar a competência deste Juizado Especializado.
Quanto à exigência da relação íntima de afeto, prevista no inciso III do art. 5º, da citada Lei, acredito que não há o que discutir.
A denunciada não mantinha com a vítima uma relação íntima de afeto.
Por relação íntima de afeto entende-se uma relação mais próxima entre duas pessoas baseadas na cumplicidade, no amor, no carinho.
Além do caso não incidir em nenhuma das hipóteses previstas no art. 5º, incisos I, II e III, da Lei Maria da Penha, não resta demonstrada a “violência de gênero” exigida pela Lei para que mereça tutela jurisdicional diferenciada.
Se é verdade que a denunciada agrediu e perseguiu a vítima, entrando ambas em vias de fato, não o fez amparado na diferenciação de gênero, na prepotência ou arrogância características do desnivelamento de poder entre os gêneros, senão o fez motivada por conflitos pré-existentes, o que foi esclarecido pela testemunha Manoel Felipe Neto, o qual relatou que as partes sempre tiveram uma relação conflituosa.
Verificou-se, ao longo dos anos, que a estrutura social brasileira veio a formatar os padrões de comportamentos relativos ao homem ou a mulher, de forma a caracterizar uma verdadeira divisão de tarefas.
Tal fato, decorrido de uma construção cultural e histórica, caracteriza o chamado “gênero”.
Nesse contorno, o homem, por um lado, atende às expectativas de agressividade e competitividade, enquanto que a mulher, por outro, mantêm-se submissa e inerte a toda manifestação de poder ou dominação masculina.
Segundo as palavras de Heilborn: Gênero é um conceito das ciências sociais que se refere a construção social do sexo.
Significa dizer que a palavra sexo designa agora, no jargão da análise sociológica, somente a caracterização anatomofisiológica dos seres humanos e a atividade sexual propriamente dita.2 No mesmo diapasão, Cláudia Priori conceitua a “violência de gênero” como sendo ela: um tipo específico de violência que vai além das agressões físicas e da fragilização moral e limita a ação feminina. É muito mais complexa do que a violência doméstica, pois não acontece somente entre quatro paredes, mas se faz presente em todos os lugares, por alegações aparentemente fúteis.
Carrega uma carga de preconceitos sociais, disputas, discriminação, competições profissionais, herança cultural machista, se revelando sobre o outro através de várias faces: física, moral, psicológica, sexual ou simbólica.3 Reforçando o nosso entendimento, a Lei nº 11.340/06, fruto do anseio não só das feministas do nosso país, senão de todos aqueles que militam pelo reconhecimento cada vez maior dos direitos humanos, não trouxe nenhum tipo penal novo à época de sua promulgação, não deu ensejo a criação de qualquer figura penal, ou mesmo majoração de qualquer pena, criou uma série de mecanismos processuais (à parte da normatização de algumas políticas públicas) mais benéficos às mulheres vítimas de violência doméstica ou familiar, e mais rigorosos para os seus agressores que podem ser, tanto homens quanto mulheres.
Destaca-se que em 2018, com a promulgação da Lei nº 13.641/2018, a Lei Maria da Penha foi alterada, passando a prever, em seu art. 24-A como crime o descumprimento de decisão judicial que defere medida protetiva de urgência, sendo este o único delito tipificado na Lei nº 11.340/2006.
Assim, não podemos falar, apesar da insistência de alguns, de um direito penal do autor o que, de certa forma, contraria a nossa tradição penal, senão de um direito penal da vítima, este sim já largamente utilizado e adotado pela nossa legislação penal.
O parágrafo único do art. 5º já citado abre o espaço para a inclusão da mulher no polo ativo da ação.
Não obstante, em que pese a mulher poder configurar no polo ativo, faz-se necessário para o enquadramento na Lei nº 11.340/06, que o crime além de ter sido cometido contra uma mulher, que o tenha sido baseado no gênero: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (art. 5º, caput).
Vimos acima o que vem a ser gênero e, no vertente caso, não consigo enxergar qualquer elemento que possibilite afirmar categoricamente que os fatos tenham, necessariamente, ocorridos com base no gênero, senão por motivação unicamente patrimonial.
A legislação espanhola sobre a violência de gênero (Ley Orgánica de Protección Integral contra la Violencia de Género– LO 1/2004) buscou dar uma definição mais precisa da violência de gênero e afirmou tratar-se de toda violência exercida pelos homens4.
A violência contra a mulher não tem como causa única o gênero, senão que faz parte de um macro-contexto de violência contra a pessoa humana.
A simplificação do discurso feminista oficial não deve ser absorvida pelos intérpretes e aplicadores da Lei Maria da Penha.
Nem toda violência contra mulher é violência de gênero e, mais, nem toda violência de gênero deve ser lastreada na desigualdade.
A mesma preocupação ocorre na Espanha na aplicação da Ley Organica de Violencia de Gênero (LOVG): El discurso feminista oficial presenta, a mi parecer, tres características: por un lado, simplifica excesivamente la violencia contra la mujer en las relaciones de pareja al presentar este delito como algo que sucede ‘por el hecho de ser mujer’, como si la subordinación de la mujer en la sociedad fuese causa suficiente para explicar la violencia…5 O artigo 5º da LMP (Lei Maria da Penha) trouxe o delineamento conceitual do tipo de violência praticada contra a mulher, em torno do qual deverá ser delimitado o espectro de atuação das agências de controle e das próprias políticas públicas: qualquer ação ou omissão baseada no gênero que cause à mulher morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial, desde que ocorra no âmbito de uma unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto.
Diferentemente do que se tem escrito, a LMP não tem como objeto de atenção todo tipo de violência praticada contra a mulher.
Seu campo de atuação é bem mais modesto, mas nem por isso menos complexo, e diz respeito apenas a uma parcela das mulheres vítimas de violência de gênero.
Infelizmente, esta legislação que poderia ter tido um alcance muito maior, acabou restringindo o seu raio de ação a espaços delimitados de controle da violência patriarcal, criando “esferas de isenção” para a violência de gênero.
A violência contra a mulher envolve apenas a dimensão biológica do sexo, não levando em consideração, apesar da legislação referenciada afirmar o contrário, o fato da condição histórica, cultural e social de ser mulher.
A confusão entre os dois conceitos deve-se, em parte, ainda, ao desconhecimento da categoria gênero e,
por outro lado, uma tendência quase natural de simplificação de conceitos.
Enquanto categoria analítica, o gênero permite diferenciar entre as características naturais dos seres humanos e os atributos socialmente construídos, ou seja, permite que se separe a dimensão biológica da cultural.
Neste sentido: ao ser incorporado como método e pesquisa de análise social praticamente em todos os setores do conhecimento, gênero enfrenta o desafio de contrapor àquelas concepções tradicionais acomodadas nas mentalidades conservadoras de aceitar como ‘naturais’ a invisibilidade e a desvalorização social das ‘ditas atividades femininas’, como trabalho doméstico, o cuidar das pessoas e de sua infra-estrutura, etc., e, ao mesmo tempo considerar o superdimensionamento dos valores ‘ditos masculinos’ como parte da natureza humana.6 As diferenciações que possibilitam a subordinação e submissão dos gêneros, que se materializam na consecução de papéis sociais distintos, forjadas na distinção biológica dos sexos, tomam corpo na dinâmica social das relações, possibilitando um novo conceito, atualmente muito trabalhado pelas feministas: o de relações sociais de gênero, que se baseia, precisamente, na ideia de subordinação. 7 O problema é que se tem feito tanto aqui no Brasil quanto no exterior uma acentuada confusão entre os conceitos de violência doméstica, violência familiar e violência de gênero.
A primeira é aquela que ocorre dentro do ambiente doméstico, entre pessoas que residem (não temporariamente) naquele espaço físico, tendo parentesco consanguíneo ou por afinidade ou não.
A segunda é aquela violência que ocorre entre parentes, consanguíneos, entre afins e, segundo a lei, mesmo aqueles que se considerem aparentados.
No terceiro caso, temos toda violência resultado de uma situação de discriminação atemporal, originada de uma sociedade patriarcalista.
Neste sentido: Por eso, la causa última de la violencia contra las mujeres no ha de buscarse en la naturaleza de los vínculos familiares sino en la discriminación estructural que sufren las mujeres como consecuencia de la ancestral desigualdad en la distribución de roles sociales.
La posición subordinada de la mujer respecto del varón no proviene de las características de las relaciones familiares sino de la propia estructura social fundada todavía sobre las bases del dominio patriarcal.
Bien es verdad que, en la práctica, es en el contexto doméstico donde con mayor frecuencia se manifiesta este tipo de violencia.
Porque es allí donde adquieren más intensidad las relaciones entre hombre y mujer.
Pero eso no significa que la familia sea la causa de la violencia de género.
También las agresiones sexuales o el acoso laboral son manifestaciones de este fenómeno y nada tienen que ver con el contexto familiar.8 Assim, a LMP não se aplica a todo tipo de violência praticada contra a mulher, mas apenas àquelas vítimas de violência de gênero e, ainda assim, quando essa violência ocorrer no ambiente familiar, doméstico ou em uma relação íntima de afeto.
O caput do art. 5º é bastante claro: violência doméstica é qualquer violência qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, dano moral ou patrimonial, desde que ocorra no âmbito de uma unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto.
Destarte, não é todo tipo de violência praticada contra a mulher (referida enquanto unidade biológica) que é alcançada por esta legislação, mas somente aquela baseada no gênero, e ainda assim, dentro de determinado contexto espaço-relacional, limitando, por conseguinte, as possibilidades do aplicador da norma e a própria atuação do Estado nas políticas públicas de combate à discriminação de gênero.
Entendo, assim, que o crime não foi praticado numa relação familiar, no âmbito doméstico, bem como a vítima não mantinha relação íntima de afeto com a denunciada, bem como a violência não foi baseada no gênero.
Destarte, uma vez que não se apresentam as prerrogativas para a caracterização da competência deste juízo, defiro a preliminar aventada pela defesa da denunciada e declino da competência para conhecer da causa e, como consequência, determino que sejam os autos encaminhados à redistribuição para uma das Varas Criminais não especializadas desta Comarca, o que faço em consonância com o parecer da Representante do Ministério Público.
Considerando a incompetência deste juízo para atuar no feito, deixo para a Vara Criminal analisar o pedido de habilitação do advogado da vítima, como assistente de acusação, e das demais preliminares aduzidas pela defesa da denunciada em sede de resposta à acusação.
No caso de ser suscitado conflito negativo de competência, ficam, desde já, essas razões como fundamento do conflito.
Cumpra-se com os expedientes necessários.
MOSSORÓ/RN, data da assinatura eletrônica.
RENATO VASCONCELOS MAGALHAES Juiz de Direito (documento assinado digitalmente na forma da Lei n°11.419/06) 1 SCARANCE FERNANDES, Valéria Diez.
SANCHES CUNHA, Rogério.
Lei 14.550/2023: Altera a Lei Maria da Penha para garantir maior proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar.
Disponível em: https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2023/04/20/lei-14-550-2023-altera-a-lei-maria-da-penha-para-garantir-maior-protecao-da-mulher-vitima-de-violencia-domestica-e-familiar/; 2 HEILBORN, Maria Luiza.
Gênero, uma breve introdução.
Disponível em http://www.coepbrasil.org.br/opiniao_genero.asp 3 PRIORI, Claudia.
Retrato falado da violência de gênero: queixas e denúncias na Delegacia da Mulher de Maringá (1987-1996).
Disponível em http://www.dhi.uem.br/publicacoesdhi/dialogos/volume01/vol7_rsm3.htm (08/01/2007); 4 A lei espanhola (LOVG), diferentemente da lei brasileira, prevê a possibilidade apenas o homem como autor dos crimes contra mulher. 5 LARRAURI, E.
Criminología Crítica y Violencia de Género.
Madrid: Ed.
Trota, 2007, p. 15. 6 TELES, Maria Amélia de Almeida.
O Que são Direitos Humanos das Mulheres.
São Paulo: Brasiliense, 2006, p. 40. 7 Moema Viezzer explica que as relações sociais devem ser entendidas aqui de acordo com o pensamento de Marx e Engels “segundo as quais são relações mútuas que se estabelecem entre seres humanos para a produção e a reprodução das condições materiais da existência”.
VIEZZER, Moema.
O Problema não está na Mulher.
São Paulo: Cortez (Coleção Biblioteca da Educação.
Série 3.
Mulher tempo, v. 2), 1989, p. 108. 8 LAURENZO COPELLO, Patricia.
La Violencia de Género en la Ley Integral - Valoración político-criminal.
Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología. 2005, núm. 07-08, p. 08:1 -08:23 _ ISSN 1695-0194. -
05/11/2024 13:24
Expedição de Outros documentos.
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05/11/2024 12:24
Proferido despacho de mero expediente
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05/11/2024 10:00
Conclusos para despacho
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05/11/2024 08:18
Redistribuído por sorteio em razão de incompetência
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05/11/2024 08:09
Expedição de Outros documentos.
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05/11/2024 08:05
Expedição de Outros documentos.
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05/11/2024 08:05
Expedição de Outros documentos.
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05/11/2024 08:04
Expedição de Outros documentos.
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04/11/2024 13:53
Declarada incompetência
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07/10/2024 15:02
Conclusos para decisão
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07/10/2024 14:09
Juntada de Petição de manifestação do mp para o juízo
-
07/10/2024 11:08
Expedição de Outros documentos.
-
07/10/2024 10:50
Proferido despacho de mero expediente
-
29/09/2024 12:00
Juntada de Petição de petição
-
27/09/2024 10:51
Conclusos para decisão
-
27/09/2024 10:49
Juntada de Petição de manifestação do mp para o juízo
-
25/09/2024 15:05
Expedição de Outros documentos.
-
25/09/2024 13:56
Proferido despacho de mero expediente
-
24/09/2024 15:42
Conclusos para decisão
-
24/09/2024 14:45
Juntada de Petição de petição
-
19/09/2024 15:43
Mandado devolvido entregue ao destinatário
-
19/09/2024 15:43
Juntada de diligência
-
28/08/2024 11:11
Expedição de Mandado.
-
27/08/2024 07:19
Evoluída a classe de INQUÉRITO POLICIAL (279) para AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283)
-
26/08/2024 17:13
Recebida a denúncia contra ROSANE FRANCISCA FELIPE SANTIAGO
-
23/08/2024 07:28
Conclusos para decisão
-
22/08/2024 23:38
Juntada de Petição de petição
-
20/07/2024 11:17
Expedição de Outros documentos.
-
20/07/2024 11:16
Apensado ao processo 0811439-14.2024.8.20.5106
-
20/07/2024 11:15
Juntada de Certidão
-
19/07/2024 13:21
Proferido despacho de mero expediente
-
18/07/2024 16:32
Conclusos para despacho
-
18/07/2024 16:28
Distribuído por sorteio
Detalhes
Situação
Ativo
Ajuizamento
05/11/2024
Ultima Atualização
05/06/2025
Valor da Causa
R$ 0,00
Documentos
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
Despacho • Arquivo
Decisão • Arquivo
Despacho • Arquivo
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